Além do Brasil, outros países investigam a atuação de seus governos frente à pandemia
Ter uma liderança negacionista não era um ‘privilégio’ do Brasil no início da pandemia de Covid-19. No começo de 2020, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, se somava ao presidente brasileiro (que em meados de 2021 ainda segue fazendo malabarismo com teses negacionistas e paranoicas) ao negar a gravidade da crise sanitária que se apresentava. Johnson, do partido Conservador, seguiu a cartilha inicial de outras lideranças do mesmo espectro político que ele e, com sua conhecida personalidade falastrona, chegou a dar declarações problemáticas sobre o vírus, como a de que desejaria ser infectado em rede nacional ou defendendo a “imunidade de grupo” com a seguinte afirmação em 12 de março de 2020: “Devo ser claro com os senhores e a população britânica: muitas famílias irão perder seus entes queridos antes do que pensavam”. Essa tese era defendida em nome da economia britânica (parece familiar?), que não poderia parar diante das transformações impostas pelo Brexit, formalizado no fim de janeiro de 2020.
No entanto, dois acontecimentos mudaram a trajetória do governo britânico no combate à pandemia. A primeira foi a apresentação, no dia 22 de março, do relatório do Imperial College que afirmava que o Reino Unido teria, ao menos, 260 mil mortes em 1 ano além do colapso do sistema de saúde público de lá, a NHS, o que assustou muito a equipe de Downing Street. Em segundo, o premier teve a infelicidade de ser contaminado pelo coronavírus, confirmado por exame dia 27 de março, sendo assim, o primeiro chefe de governo a ser contaminado. Apesar de uma evolução inicialmente tranquila, o quadro do primeiro ministro se agravou e precisou ser internado na UTI.

Outro Boris Johnson voltou da internação, transformado pela vivência angustiante da doença e, também, pela imposição dos fatos e dados científicos. A negação ficou para trás. O Reino Unido adotou medidas de isolamento obrigatório severas, sendo um dos últimos países europeus a instaurar tais medidas. O resultado da ação letárgica do governo está nas quase 128 mil mortes e nas quase 4.5 milhões de pessoas infectadas (02 jun 2021).
Diante desses dados e mesmo com o sucesso da vacinação no país, a sociedade organizada e a oposição no parlamento exigiram a abertura de um inquérito, similar à CPI em andamento no Brasil, para investigar a conduta do premier e de seu gabinete. Boris Johnson anunciou que será feita uma investigação independente no próximo ano, o que não agradou o parlamento. Em paralelo com o pedido, o Comitê de Ciência e Saúde do parlamento iniciou uma série de sabatinas com ex-funcionários do governo, sempre transmitidas ao vivo, o que têm atraído a atenção da opinião pública e da mídia de todo o mundo diante das revelações.
Dominic Cummings, ex-assessor-chefe de Boris, o acusou de ser o responsável por decisões que levaram o Reino Unido a níveis elevados de mortes e contágio. Em uma de suas falas, disse que o conservador ignorou os conselhos dos cientistas e demorou a avaliar a gravidade da crise sanitária. Disse também, já próximo às festas de fim de ano, ter ouvido o premier dizendo que preferiria uma pilha de corpos à decretar o terceiro lockdown no país, declaração negada por Boris Johnson.

Outro país que adotou medidas mais brandas de controle no início da pandemia, e que desencadeou números preocupantes de mortes e contaminação, foi a Suécia. Tais medidas se diferenciaram das adotadas pelos países vizinhos da Escandinávia, que têm taxas epidemiológicas bem menores que as suecas. Ainda em 2020, sofrendo fortes pressões políticas, o governo do primeiro-ministro Stefan Löfven criou uma comissão independente, com diversos especialistas, para investigar a atuação frente à pandemia. Em 2021, o parlamento iniciou um inquérito parlamentar, assim como o conduzido no Brasil e no Reino Unido, que pretende apontar os erros e omissões do governo no combate ao coronavírus. No último dia 26 de abril, o premier foi interrogado e afirmou que “o conhecimento e a ciência têm sido as diretrizes de todo o processo”.

Diferentemente do presidente brasileiro, Johnson e Löfven concordam com uma investigação independente e criteriosa da atuação de seus governos na pandemia, para, segundo o britânico, buscar “examinar suas ações da forma mais rigorosa e franca possível e aprender todas as lições para o futuro”. Nesse sentido, os premiers se distanciam de Jair Bolsonaro, que ataca a investigação conduzida pelo Senado Federal brasileiro. Os três, no entanto, se aproximam novamente ao declararem que uma investigação agora atrapalha o combate à pandemia que ainda está acontecendo, mas foram derrotados por pressão política.
Dentro de um sistema democrático, o controle e fiscalização dos governos é fator primordial para o bom funcionamento da máquina pública, além da obrigação de ser responsivo às demandas da população, que estão representadas pelo parlamento, tanto no Brasil quanto no Reino Unido e na Suécia. Parafraseando a célebre frase do romance Hamlet, do inglês William Shakespeare, ‘investigar ou não investigar?’ Parece uma interrogação que não cabe a essas lideranças diante da transparência impositiva dos sistemas democráticos.
Fontes:
https://gizmodo.uol.com.br/boris-johnson-reino-unido-coronavirus/
https://veja.abril.com.br/mundo/boris-johnson-apoia-realizacao-cpi-pandemia-reino-unido/