Após tudo, o que restou ao bolsonarismo?

Após o crescimento da reprovação ao governo, o declínio da imagem internacional do Brasil e a má condução da pandemia, o que restou ao bolsonarismo?

O fenômeno político que varreu o Brasil após as eleições presidenciais de 2014, na perspectiva deste colunista, é um divisor de águas em nossa política. Na falta de uma designação mais adequada, derivou-se do nome do seu maior representante político o termo que nomeia esse fenômeno político. Trata-se do bolsonarismo. Para refrescar nossa memória, e enfatizar o ponto de ruptura representado por tal fenômeno político, é preciso lembrar que o bolsonarismo foi capaz – com todos os seus métodos “peculiares” e até então relativamente novos para o cenário político brasileiro – de derrotar o Partido dos Trabalhadores (PT), que havia vencido as últimas quatro campanhas presidenciais contra o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Ou seja, foi a primeira vez desde 1995 que um candidato do PT ou do PSDB não foi eleito para o cargo máximo da política nacional.

Por si só, o fato de um ex-deputado do chamado baixo clero – expressão utilizada para designar parlamentares com pouca expressão na Câmara dos Deputados – ascender nacionalmente de forma tão abrupta é surpreendente. Obviamente que existia um conjunto de condições favoráveis ao crescimento dos ideais bolsonaristas na sociedade brasileira, porém, tais condições não anulam o impacto político causado pelo bolsonarismo, principalmente em seus primeiros anos.

Basta olhar para as eleições de 2018 na Câmara dos Deputados para se ter ideia da onda política que varreu o país. O Partido Social Liberal (PSL), então partido do candidato Jair Bolsonaro, assistiu a um crescimento absurdo no seu número de votantes. Se em 2014 o partido havia recebido apenas 808.040 votos para deputado federal, em 2018 foram 11.640.033 votos recebidos por deputados do partido. O número representou um aumento de 1.341%. O resultado foi o suficiente para transformar o outrora partido nanico na segunda maior bancada da Câmara dos Deputados.

Apesar de tais fatos, é preciso questionar: o que restou ao bolsonarismo? Após o avançar dos anos e os constantes absurdos promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro, assiste-se a uma perda de popularidade considerável por parte do atual do governo (o que já era esperado, especialmente após os seguidos desastres na condução da pandemia de COVID-19). De acordo com as últimas pesquisas de aprovação, mais da metade da população brasileira reprova o governo Bolsonaro, sendo a pior marca registrada desde o início do mandato presidencial em 2019.

Como se não bastasse a perda de popularidade, o Brasil viu ruir toda e qualquer credibilidade que possuía no cenário internacional. Entre ataques às lideranças políticas de outros países, especialmente aquelas da China, e o apoio público do governo Bolsonaro à campanha de reeleição de Donald Trump, a imagem internacional do Brasil foi sendo minada semana após semana. Entre os fatos que colaboram com a perda de credibilidade internacional do país, destaca-se a desastrosa política ambiental bolsonarista, que vira e mexe promove flexibilizações de leis ambientais, desmonte de organismos fiscalizadores e caça às bruxas.

Para não ficar de fora do bolo de desastres do governo, é preciso também evidenciar como a condução da pandemia de COVID-19 tem desdobramentos gritantes para o país. Em razão da política negacionista e da má condução logística do Governo Federal, o país assistiu à partida de mais de 500 mil brasileiros. Obviamente que a condução desastrosa da situação tem trazido, e ainda trará, consequências para o atual governo. Toda a questão é um prato cheio para revelar as práticas corruptas, imorais e vexatórias do governo na pandemia.

Desse modo, ao questionar “o que restou ao bolsonarismo?”, é difícil de encontrar algo além daquilo que se tem visto no último mês: apelar para o fanatismo daqueles 20~25% de bolsonaristas que ainda não abandonaram o barco – e nem o vão, pois se veem muito bem representados pela figura do atual presidente. Desse modo, já era de se esperar o retorno do discurso golpista que o governo tem pregado. Como em outras vezes, a bola da vez é a urna eletrônica. Conforme o presidente e os seus seguidores, o voto impresso é a única forma de garantir a lisura do processo eleitoral do próximo ano. Ora, se o sistema de votação brasileiro é corrupto, por qual motivo o presidente, que se diz perseguido por tudo e por todos, foi eleito em 2018? Ou melhor, por quais motivos Bolsonaro foi eleito para o cargo de deputado federal em sete disputas consecutivas entre 1991 e 2018?

A prova de que ao bolsonarismo restou apenas a retórica golpista é a derrota do voto impresso na Câmara dos Deputados hoje (11/08). Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), eram necessários no mínimo 308 votos para a medida seguir a sua tramitação. Entretanto, a proposta só conseguiu aglutinar 229 votos dos 513 deputados. Dessa forma, o governo de Bolsonaro não possui a articulação política necessária para fazer as mudanças eleitorais que deseja.

Entretanto, o mais triste do momento político brasileiro não é necessariamente a retórica golpista do bolsonarismo. Em alguma medida, já se esperava o seu retorno – se é que um dia ela esteve ausente. O triste é notar que, após tudo aquilo que o governo de Jair Bolsonaro fez, ainda encontramos uma parte considerável do eleitorado brasileiro disposta a defender suas ideias. Pois, mesmo que um dia Bolsonaro não esteja sentado na cadeira da Presidência da República, encontraremos um número elevado de brasileiros que ainda propaga a ideologia bolsonarista. Assim como a saída de Trump não significou o fim do trumpismo, é preciso pensar em como superar o bolsonarismo para além da disputa eleitoral de 2022, pois o restou a esse fenômeno foi se apoiar em retóricas golpistas para engajar seus fanáticos.