A exploração de petróleo na Margem Equatorial e a nova promessa de desenvolvimento para o Amapá

A descoberta de petróleo na Margem Equatorial, a 175 km da costa do Amapá, e a 540 km da foz do Rio Amazonas, tem sido a nova grande promessa para o desenvolvimento econômico do estado. O DPolitik conversou com amapaenses envolvidos no debate para entender como isso está sendo visto pela política local, como impactará a comunidade e como as decisões estão sendo tomadas.

O que é a Margem Equatorial?
A Margem Equatorial é a nova fronteira exploratória de petróleo no Brasil. A faixa percorre cerca de 2.200 km, e se estende pelas regiões Norte e Nordeste, passando pela costa do Amapá até o Rio Grande do Norte. Nesta localidade, existem cinco bacias sedimentares, que podem armazenar petróleo em águas ultraprofundas, sendo elas a Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. 

Fonte: Petrobras

O primeiro poço de petróleo em jogo é o bloco FZ-M-59, ou bloco 59, que fica na bacia da Foz do Amazonas, na costa do Amapá. O ponto para a exploração fica a 175 km do ponto mais próximo de terra e a 540 km da Foz do Amazonas, com profundidade de 2.800 metros.

O debate sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial se acendeu aqui no Brasil em 2023, quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou à Petrobras a licença ambiental para a perfuração dos poços. Para o Ibama, inconsistências sobre a viabilidade ambiental do projeto tornariam inviável a operação segura na área. 

A Petrobras, por sua vez, não desistiu e segue nas investidas para obter a licença para a perfuração. Em dois anos, a empresa se adequou a algumas exigências do Ibama, como a criação de uma Unidade de Atendimento e Reabilitação da Fauna no Oiapoque, concluída este ano, para atender animais resgatados. Além disso, conta com o apoio dos parlamentares amapaenses, que têm mobilizado a agenda estadual e nacional a fim de viabilizar a liberação do governo.

O governo do estado é a favor da exploração e trabalha junto à Petrobras em busca da licença ambiental. Em entrevista concedida ao DPolitik, o vice-governador Antônio Teles Júnior (PDT), economista e professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), indica que a exploração da Margem Equatorial se insere na estratégia de desenvolvimento para o estado. 

“Todas as regiões onde houve produção de petróleo e gás, houve também uma concentração maior de riqueza nessas regiões. Seria uma forma de desconcentrar riqueza, sobretudo para as regiões Norte e Nordeste”, afirma Teles Júnior.

O governo conta com o apoio de setores como a universidade, a exemplo da Universidade Estadual do Amapá (UEAP), que tem participado do debate. A reitora da UEAP, Profª Drª Kátia Paulino, aponta que as evidências científicas dos estudos conduzidos pela Petrobras têm sido positivas, tornando a exploração um meio viável para incentivar a economia do estado. “A gente é um estado que precisa muito de desenvolvimento. Eu não vejo o petróleo como a única alternativa […] mas hoje é uma das vias mais expressivas”, diz Kátia.

Na última segunda-feira (19), o Ibama deu mais um passo para a concessão da licença ambiental, ao aprovar o conceito do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF), para a condução de pesquisa marítima. A próxima etapa será a realização de vistorias e simulações a fim de testar a capacidade de respostas a acidentes.

As promessas para o desenvolvimento do Amapá

O Amapá é um estado com uma economia concentrada na exploração de recursos naturais, como a mineração e o extrativismo vegetal. A ideia de que o extrativismo possibilitará o crescimento local é uma promessa repetida, com exemplos que geraram resultados questionáveis sobre o impacto econômico, social e ambiental. 

Na década de 60, a mineração industrial utilizou o discurso para incentivar a extração de manganês no município amapaense de Serra do Navio, pela Indústria e Comércio de Minérios S.A. (Icomi), empresa privada brasileira. A atividade econômica era vista como uma grande possibilidade de desenvolvimento para o então Território Federal do Amapá, pioneiro na exploração desta indústria na Amazônia. 

A atuação da Icomi se estendeu por 50 anos, encerrando-se em 1997, e deixou para trás um parque industrial, uma estrada de ferro e pouca internalização dos lucros gerados. Apesar do grande volume de minério e de dinheiro movimentado no período, a atividade não foi capaz de impulsionar o desenvolvimento de base local e sustentável.

A expectativa de encadeamento produtivo não se concretizou. Pelo contrário, a exploração gerou grande concentração de renda para fora do estado. O investimento foi concentrado em maquinário e infraestrutura, ambos não gestados regionalmente, em um movimento que pouco interagia com a economia local. Após a desativação da mineradora, a cidade passou de modelo para fantasma. Atualmente, Serra do Navio promove o turismo histórico do período de industrialização, com uma economia voltada para o setor terciário. 

Da mesma forma, a construção de quatro usinas hidrelétricas retomou a promessa de conferir destaque ao Amapá na economia nacional. Para além de não endogeneizar os lucros, o estado ainda passou por um apagão no ano de 2020, que deixou a população sem energia estável por mais de um mês, e até hoje conta com uma das contas de energia mais caras do país. O prejuízo ambiental também entra na somatória, tendo em vista que a construção das hidrelétricas gerou impactos como o assoreamento responsável pela extinção do fenômeno da pororoca, no Rio Araguari.

O que se fala sobre a exploração

Atualmente, o estado do Amapá ocupa a 25ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano dos estados brasileiros, conforme dados de 2021 do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. Sobre a comparação histórica, o governo se mostra otimista: “A exploração da Margem Equatorial se dá em um novo momento. Quem vai fazer a gestão dos royalties é o estado, e essa gestão vai financiar a diversificação da matriz econômica, para que a gente não crie uma relação de dependência com os preços do petróleo”, diz Teles Júnior. 

Assim, o governo busca trabalhar em três frentes: 1) qualificação da mão de obra; 2) criação de infraestrutura; e 3) elaboração de um plano de aplicação dos royalties, de maneira a introduzir os lucros da atividade na economia local.

O vice-governador afirma também que não há incompatibilidade entre a produção de petróleo e gás e as atividades de uso sustentável na Amazônia, que podem ser utilizadas como um meio para o desenvolvimento local. Teles Júnior indica que o Amapá está na liderança da transição energética, e conta com marcos solares e eólicos que continuarão a ser incentivados mesmo com a exploração da Margem.

A sociedade civil, por outro lado, apresenta pontos divergentes do governo. Flávia Guedes, do Instituto Mapinguari, destaca o desequilíbrio ambiental e os impactos não expostos no parecer do Ibama, como os efeitos da exploração nas mudanças climáticas pelo aumento da liberação de CO2. Além disso, a extração estaria indo na contramão da transição energética em destaque no cenário nacional e internacional.

Flávia afirma que, nesse debate, a voz da sociedade civil não tem sido ouvida: “É como se nós fôssemos o atraso do Amapá”. A pesquisadora conta que houve apenas uma audiência pública em 2023 para discutir o tema, que não foi divulgada de forma correta para a sociedade. “Nós nunca fomos chamados pelo governo para nenhum tipo de conversa. Ao invés de ter um diálogo, a gente teve esse ambiente totalmente fechado, banalizando nossas opiniões e os dados que levamos”, acrescenta.

Essa mesma experiência é relatada por Glauber Tiriyó, liderança indígena e estudante de direito da UEAP. Glauber diz que a atividade é apresentada como uma solução milagrosa, mas que acaba sendo um processo imposto, pois não houve diálogo com os indígenas que possuem territórios demarcados na região, por meio do Protocolo de Consulta Prévia que deveria ter ocorrido.

O estudante aponta, ainda, para os riscos de um desastre ambiental, que colocaria em risco as aldeias que ficam localizadas perto da Margem. “De onde vão tirar seu sustento? É uma preocupação minha e acredito que de toda a liderança da região, que não quer ser maltratada pelo desastre causado pelo próprio homem”. 

“Onde a questão do petróleo poderia nos ajudar? Não tem como uma coisa que polui mais ajudar positivamente. Ou você perde aqui, ou você ganha ali, e pelo visto como o estado tem levado a gente, impondo, são as minorias que vão perder” – Glauber Tiriyó

O debate sobre a exploração do petróleo no Amapá ainda está longe do fim. O processo até a concessão da licença continua correndo, e ainda levará um tempo até que a atividade seja concretizada e seus retornos materiais sejam observados.

É fato que o Norte do Brasil é uma região por vezes esquecida pela política nacional, e que precisa de incentivo à economia e ao desenvolvimento de base local e sustentável. O Amapá, como foi apresentado, sofre historicamente com a extração de seus recursos, que não retornam para população amapaense. 

Diante das possibilidades fornecidas pelo petróleo, e em meio aos pontos a favor e contra aqui apresentados, destaca-se que a Amazônia não é apenas a sua biodiversidade e seus recursos naturais, mas também é lugar de gente. Para entender a Amazônia, é preciso ouvir quem mora nela, em uma discussão complexa que deve levar em conta fatores econômicos, sociais e ambientais, considerando seus diversos impactos para os diferentes setores locais.

Referências

https://petrobras.com.br/quem-somos/novas-fronteiras?gad_source=1&gad_campaignid=20114975698&gbraid=0AAAAApnobX2ul7XWdM5GioDNkNg-wl2BD&gclid=Cj0KCQjww-HABhCGARIsALLO6XxJyLpJLGgOmTApowlAlQjAoh07eMCLcdF6c2b-nJWws8YuCPjijjUaAnbnEALw_wcB

https://www.scielo.br/j/ea/a/Z8KwYg7qrYKsmN4Wc58yCqC/?format=pdf&lang=pt

https://agenciabrasil.ebc.com.br/meio-ambiente/noticia/2025-04/petrobras-conclui-unidade-exigida-para-licenca-da-margem-equatorial

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/ibama-aprova-plano-da-petrobras-para-explorar-petroleo-na-margem-equatorial/

http://www.atlasbrasil.org.br/ranking