De acordos internacionais polêmicos aos atos legislativos contra solicitantes de asilo, o Reino Unido reforça uma agenda de contenção migratória. Nos últimos anos, o país implementou políticas que colidem diretamente com o regime internacional de proteção aos refugiados, gerando conflitos com organizações internacionais e questionamentos sobre compromissos históricos com os direitos humanos.
Desde 2014, a promessa de frear a imigração foi colocada como uma das grandes bandeiras da campanha pelo Brexit. “Retomar o controle total” foi o slogan utilizado em 2020 por Boris Johnson, então primeiro-ministro, durante o período final dos acordos de transição para a saída do Reino Unido da União Europeia. A ideia era associada a diversas áreas como a moeda e as leis, se estendendo, também, para as fronteiras. Porém, nos cinco anos que decorreram após a saída oficial, o país registrou recordes na chegada de imigrantes.
Segundo a Associated Press, em 2018, foram 299 barcos pequenos que chegaram ao litoral do Reino Unido. Quatro anos depois, em 2022, esse número passou para 45.774. Os números alarmam tanto o governo quanto a sociedade, tornando a migração uma das principais pautas de eleições e políticas recentes. Em meio a necessidade de respostas, os últimos governos têm adotado medidas cada vez mais restritivas que ameaçam o direito ao asilo. Esse endurecimento em relação às fronteiras levou a tensões com organizações internacionais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), por violar princípios consolidados internacionalmente pelo regime de proteção aos refugiados. Em diferentes proporções, tanto o Partido Conservador como o Partido Trabalhista advogam pela contenção migratória, diante de uma crise de refúgio cada vez maior na região do Canal da Mancha.
Stop the boats: o naufrágio do direito ao refúgio
Em abril de 2022, ainda no governo de Boris Johnson, o Reino Unido assinou um acordo com Ruanda para deportar pessoas que chegassem de forma irregular ao país e solicitantes de asilo para o país africano, que ficou conhecido como “Migration and Economic Development Partnership” (MEDP), ou Plano Ruanda. O MEDP providenciaria a deportação de pessoas para Ruanda que, segundo o governo britânico, não tem o direito de permanecer no país. Os solicitantes de asilo seriam proibidos de ter acesso ao direito no Reino Unido, e seriam enviados forçadamente para Ruanda sem possibilidade de retorno. Em troca, o governo britânico pagaria ao governo ruandês cerca de £ 370 milhões (por volta de R$ 2,3 bilhões em reais)
Em outubro de 2022, Rishi Sunak assumiu o cargo de primeiro-ministro, com um mandato marcado pela recordação do lema “Stop the boats”: parem os barcos, cunhado pelo político australiano Tony Abbott. Em novembro de 2023, o MEDP foi considerado ilegal pela Suprema Corte do Reino Unido, por ferir direitos humanos e acordos firmados previamente. Apesar disso, Sunak continuou levantando medidas de institucionalização contra refugiados, com foco nos pequenos barcos que chegavam à costa da Inglaterra pelo Canal da Mancha

No ano de 2024, dois anos depois da primeira tentativa feita por Boris Johnson, o parlamento britânico aprovou a lei que viabilizaria a execução do MEDP, gerando revolta entre organizações de direitos humanos e relacionadas à temática do refúgio, como o ACNUR e o International Rescue Committee.
A restrição do acesso ao asilo apresenta um desafio à cooperação internacional. Para além do Plano Ruanda, aponta-se ainda para o Illegal Migration Act, ou Lei de Imigração Ilegal, aprovado em 2024, que “elimina o acesso ao asilo no Reino Unido para qualquer pessoa que chegue de forma irregular, tendo passado por um país – mesmo que brevemente – onde não tenha sofrido perseguição” (ACNUR, 2023, online). A diretriz vai de encontro à marcos do regime internacional de refúgio, como a Convenção sobre Refugiados de 1951, que destaca que pessoas em situação de refúgio em muitos casos não têm acesso às rotas legais de entrada, e, devido às condições, precisam recorrer ao acesso irregular ao asilo.
Dessa forma, fica evidente um procedimento hostil aos requerentes de asilo. As medidas exercem um impacto significativo no regime de proteção aos refugiados, ao limitar o acesso à direitos humanos internacionais ratificados internacionalmente.
A mudança de governo em julho de 2024 travou o Plano Ruanda. Ao assumir o poder, o atual primeiro-ministro Keir Starmer, do Partido Trabalhista, afirmou que o MEDP estava “morto e enterrado”, sendo um de seus primeiros atos no cargo. Ainda que tenham sido abandonados os projetos conservadores, a promessa do Brexit de retomar o controle das fronteiras continua sendo reiterada pelo governo trabalhista.
Starmer agora foca em controlar a imigração líquida, revisando a política de migração legal, como os vistos para entrada no país. Em maio de 2025, o primeiro-ministro anunciou um plano de contenção da imigração, devido ao risco de o Reino Unido se tornar uma “ilha de estranhos, não uma nação que caminha unida”. A nova política para reduzir o número de imigrantes restringe o acesso à cidadania, por meio de qualificações mais altas para o visto de trabalho. Além disso, para solicitar o direito de permanência indefinida, os imigrantes terão que residir por 10 anos no país, o dobro do período atual de 5 anos.
Sob um novo direcionamento, a contenção migratória permanece como uma prioridade na política de Estado britânica. O número de imigrantes que chega pelo Canal da Mancha continua sendo uma preocupação, ainda que a perspectiva de Starmer seja menos agressiva que a dos governos conservadores anteriores. Resta acompanhar se o governo trabalhista permanecerá revertendo as políticas sub-humanas implementadas, ou se irá ceder à pressão feita pela oposição e por certos setores da sociedade.
Referências
https://www.rescue.org/uk/article/rwanda-plan-explained-why-uk-government-should-rethink-scheme
http://unhcr.org/news/press-releases/unhcr-appeals-uk-uphold-its-international-legal-obligations