No dia 4 de junho, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU) votou uma proposta de resolução que exigia o cessar-fogo imediato, incondicional e permanente na Faixa de Gaza. O documento recebeu 14 votos a favor, mas não foi adotado devido a 1 voto contrário dos Estados Unidos, que possui poder de veto dentro do órgão. Em 20 meses de conflito, o CSNU aprovou apenas 4 resoluções, das quais nenhuma foi implementada. Diante da crise humanitária que se agrava em Gaza, a principal instituição voltada para a segurança internacional dentro da ONU segue sem agir de forma incisiva, inapta a combater o genocídio de milhares de palestinos.
Poder congelado
O CSNU é um dos seis órgãos originais da ONU, criado em 1945, com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais. Portanto, é uma instituição que possui autoridade para criação e regulação de normas dentro deste eixo temático, influenciando o comportamento dos atores do sistema internacional sob diversas condições.
Dentro do Conselho, existem 15 membros, sendo 5 permanentes e 10 em regime rotativo. Os permanentes, chamados de P5, são China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia, que possuem atribuições especiais dentro do órgão como o poder de vetar qualquer resolução. A composição do grupo reflete a ordem existente no momento de fundação da instituição, após a 2ª Guerra Mundial, algo que atualmente gera questionamentos sobre a legitimidade dos postos.
O poder de veto é exercido por meio de um voto negativo, que impede que qualquer resolução não processual seja aprovada, mesmo que a maioria dos membros vote a favor. Essa autoridade é legitimada tanto pela Carta da ONU quanto pela prática ao longo dos anos, em um processo que favorece os interesses do P5, considerando que é necessária a sua anuência para que as decisões sejam aprovadas.
As decisões do CSNU possuem caráter obrigatório para os membros da ONU, que se comprometem a agir de acordo com as resoluções aprovadas. Assim, o Conselho é um órgão que concentra poder, tendo a capacidade de determinar o que é considerado ameaça à paz e segurança, e de estabelecer ações com poder de enforcement, indo além das resoluções recomendatórias de outros órgãos da ONU.
Conforme Berdal (1996, apud Marques, 2022, p. 250), a atribuição do poder de veto a cinco Estados em posições favoráveis dentro da hierarquia internacional se atribui a ideia de convergência de interesses comuns, o que favoreceria a cooperação e a legitimidade para garantir a paz internacional. No entanto, com a Guerra Fria, houve o congelamento do papel da ONU como mantenedora da paz e segurança internacionais, tornando o CSNU um local de disputa de poder durante a ordem bipolar. Em um período de 40 anos, foram 162 propostas vetadas, provocando diversas paralisações no órgão.
Com o fim da Guerra Fria e a ascensão da ordem multilateral, esse congelamento não foi totalmente revertido, considerando que até os dias atuais o poder de veto continua sendo exercido com uma certa frequência para um cenário de forte integração entre os Estados. Assim, a ONU ainda age de maneira ineficiente em situações de perturbação da ordem internacional.
As (não) respostas diante do genocídio
As respostas e não-respostas do órgão são escolhas políticas, que refletem diretamente em sua credibilidade e legitimidade em cumprir os propósitos estabelecidos na Carta da ONU. Tendo como exemplo casos como o genocídio em Ruanda, o Conselho não atua de forma a intervir em questões cruciais que envolvem atos de agressão injustificados. Sobre esses casos, Marques (2022, p. 252) afirma que “a instituição falhou em cumprir com o seu principal objetivo: a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por meio da garantia da segurança coletiva”.
Com a escalada do conflito na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023, as discussões envolvendo a criação de um Estado palestino, a condenação a grupos terroristas e as possibilidades de ajuda humanitária voltaram a ser recorrentes no CSNU. Desde então, foram votadas 13 resoluções no órgão, das quais apenas 4 foram aprovadas.
As resoluções aprovadas são: 1) S/RES/2712, de novembro de 2023; 2) S/RES/2720, de dezembro de 2023; 3) S/RES/2728, de março de 2024; e 4) S/RES/2735, de junho de 2024. O conteúdo dos arquivos inclui a obrigação das partes de cumprir com o direito internacional, especialmente no que diz respeito à proteção de civis, a criação (e manutenção) de corredores humanitários na Faixa de Gaza, liberação de reféns, e uma ação coordenada entre atores como a ONU e organizações humanitárias. Nota-se que apenas uma resolução aprovada, a S/RES/2720, menciona o compromisso com a discussão sobre a criação de dois Estados – e, com isso, pôr em pauta o respeito à soberania palestina.
A última resolução aprovada já possui mais de um ano, e propunha um cessar-fogo incondicional e imediato com o apoio de todos os Estados-membros da ONU. Porém, a proposta explicitamente rejeitava mudanças demográficas e territoriais em Gaza. Vale destacar, ainda, que o líder na elaboração do projeto de resolução, ou “penholder”, foi os Estados Unidos, que conduziu as negociações e ficou responsável pela otimização do processo de tomada de decisão. Para ver mais sobre as resoluções aprovadas e rejeitadas até junho de 2024, acesse: http://securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/unsc_gaza_extended.pdf
Desde então, a violência na região apenas aumentou. O assassinato diário de palestinos continua sendo uma constante. Em nome do combate ao Hamas, as Forças de Defesa de Israel (IDF) continuam bombardeando hospitais, escolas e locais de ajuda humanitária. Para além dos ataques, a fome também tem tirado a vida dos palestinos, devido ao bloqueio feito desde março por Israel, que impede a entrada de alimentos e medicamentos. Sendo assim, Israel ativamente bloqueia ajuda à Faixa de Gaza, provocando uma crise humanitária profunda.
Em maio, Israel anunciou que iria liberar o acesso a uma entrada mínima de ajuda humanitária, por meio da Gaza Humanitarian Foundation (GHF), uma instituição desenvolvida por meio de uma parceria israelense e estadunidense. Alvo de críticas internacionais dos próprios membros do CSNU, a GHF é acusada de falta de neutralidade e pouca experiência em trabalhos humanitários. No começo de junho, a organização interrompeu as operações em Gaza após disparos israelenses em centros de distribuição de comida, que levaram a vida de dezenas de palestinos que buscavam por alimentos.
Diante do cenário catastrófico, uma nova proposta de resolução foi apresentada no dia 4 de junho ao CSNU pelos membros não permanentes do órgão. O texto exigia um cessar-fogo imediato, incondicional e permanente na Faixa de Gaza, a libertação digna, imediata e incondicional de reféns pelo Hamas e outros grupos, e a suspensão imediata e incondicional de todas as restrições para a entrada de ajuda humanitária no território.
Apesar de bem recebida pelos demais membros, a proposta foi vetada pelos Estados Unidos, o único dos quinze membros do CSNU a votar contra. Para a representante do país, Dorothy Camille Shea, a proposta não garante a segurança de Israel por não exigir a rendição do Hamas e sua retirada da Faixa de Gaza.
Uma semana após o veto no Conselho, a Assembleia Geral da ONU votou e aprovou uma resolução que exige o cessar-fogo, condenando o uso da fome como arma de guerra, e pedindo o fim do bloqueio humanitário e a libertação de reféns israelenses. No entanto, as resoluções aprovadas pela AGNU não possuem o mesmo caráter vinculativo que as do CSNU. Dessa forma, não possuem força de lei, sendo consideradas como recomendações aos Estados.
Segundo Tom Fletcher, o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, a situação é resultado de uma série de “escolhas deliberadas que privaram sistematicamente 2 milhões de pessoas dos bens essenciais de que necessitam para sobreviver”.
Enquanto a maior instituição responsável por assegurar a paz e segurança no sistema internacional escolhe permanecer inerte, o genocídio em Gaza continua acontecendo e se agravando a cada dia. Na falta de uma norma internacional coercitiva, o cessar-fogo se torna cada vez mais distante, em meio a políticas de dominação que seguem impunes mesmo bloqueando qualquer respiro do povo palestino.
Referências
https://periodicos.ufpb.br/index.php/ricri/article/download/61983/35917/184501
https://news.un.org/pt/story/2025/06/1849201 https://news.un.org/pt/story/2025/06/1849466