O Fim da Guerra que Ainda Não Acabou

A Análise Construtivista do Conflito Israel-Gaza em 2025: Discurso de Paz versus a Realidade Histórica e Geopolítica da Expansão e Violência Sistêmica.

Nas Relações Internacionais, conflitos entre diferentes nações e grupos são matéria de estudo e análise para compreender a dinamicidade do sistema internacional. O mundo em 2025, nesse sentido, mostra-se rodeado de conflitos de diferentes naturezas e configurações. Desde as disputas geopolíticas entre China e Estados Unidos (EUA) até o conflito russo-ucraniano, conflitos entre nações estão presentes de uma forma realçada na vida do atual sistema internacional. Não obstante, aquele que tem promovido uma maior atenção em relação à opinião pública teve uma “pausa” nas últimas semanas. No dia 10 de outubro de 2025, dois anos após o início do conflito entre Israel e Hamas, foi anunciado um cessar-fogo muito clamado pela comunidade internacional. A priori, um cessar-fogo significaria uma chance de reorganização das partes envolvidas no conflito por meio de um estipulado período de “paz”. Portanto, a comunidade internacional, assim como outros países que serviram de mediadores de trégua entre as partes, como Catar, Egito, EUA e Turquia, deveria “celebrar” este marco, principalmente por ele significar um período em que vidas inocentes serão poupadas. No entanto, o que há para reconhecer como positivo sobre este cessar-fogo?

Primeiramente, é importante ter uma visão macro do conflito e reconhecer que a situação de Gaza não é algo que se desenvolveu durante os últimos anos. Em realidade, é um conflito que vem se arrastando desde o século XX, pouco após a criação do Estado de Israel, após a II Guerra Mundial. Tendo isso em mente, é possível verificar que Israel tem um plano em relação à região da faixa de Gaza, por mais que, em seus discursos, autoridades deixem isso implícito. Nesse sentido, no estudo das relações internacionais, uma teoria que auxilia o entendimento da realidade é aquela chamada construtivismo. De forma prática, o construtivismo é uma forma de estudar relações sociais, nas quais humanos são atores sociais dentro de um sistema de regras (estrutura). A relação entre ator e estrutura é contínua e se retroalimenta, haja vista que o governo é composto por indivíduos que seguem as regras, a fim de atingir determinados objetivos. Por outro lado, as regras delimitam o escopo de ação dos indivíduos, ou seja, há uma expectativa em relação ao “o quê” os indivíduos farão. Dessa forma, o construtivismo nos permite verificar que, no caso do embate de Israel e Gaza, existe um sistema que se retroalimenta e no qual os atores seguem regras para atingir os objetivos. Passados os anos de conflitos, é imprescindível verificar que os israelenses configuram-se em uma posição diferente em relação ao povo palestino, por motivos como o reconhecimento formal da comunidade internacional de sua soberania – portanto, existe um território formalmente reconhecido –, existência de um exército e governo. Por outro lado, os palestinos carecem de um governo formal, além de um território formal e internacionalmente reconhecido, impossibilitando sua leitura enquanto um Estado-nação, segundo parâmetros impostos pelo direito internacional. Portanto, a relação entre os dois atores pode ser entendida através desta teoria ao visualizar que foi construída ao longo do tempo e por notar as diferenças intrínsecas entre os israelenses e palestinos. As diferenças, por outro lado, servem como um combustível para o conflito e podem ser entendidas como um dos motivos para as violências praticadas, pelo menos em um discurso oficial. 

Não obstante, pelas relações internacionais serem circundadas por diferentes sistemas de poder, é imprescindível notar que Israel configura-se como uma nação aliada das potências ocidentais. Essas, nesse sentido, usam de seus laços com aquela para amplificar seus interesses no Oriente Médio, aumentando a sua presença, mesmo que de forma indireta. Pode-se utilizar como exemplo os momentos durante a Guerra Fria, em que Israel posicionou-se como uma nação anticomunista e pró-ocidente, ou no momento pós-revolução iraniana, em que realizou ataques contra outros países do Oriente Médio, a fim de conter os efeitos deste movimento. Nesse sentido, o construtivismo, além de oferecer uma ótica de visualização de diferentes sistemas sociais, também traz uma ênfase nos discursos, ou seja, aquilo que é dito. Por Israel posicionar-se como uma nação pró-ocidente, além da grande influência dos EUA ao redor do globo, essa última portou-se como um dos principais mediadores do conflito entre Israel e Hamas. Após muitas mortes e massacres por parte de Israel em relação à Palestina, a opinião pública ao redor do mundo, de forma exuberante, exigia um cessar-fogo e punição de Israel pelas ações executadas na faixa de Gaza. Dessa forma, o presidente Donald Trump foi um ator central no desenrolar do cessar-fogo selado em 13/10/2025. Segundo a G1, o seu discurso no parlamento israelense realçava expressões como “fim de uma era de terror e mortes”, “novo amanhecer para a região do Oriente Médio”  e elogios ao primeiro-ministro de Israel, Netanyahu. O cessar-fogo, portanto, foi condicionado pela liberação de reféns e prisioneiros de ambos os lados e foi recebido com clamor por parte dos parlamentares. Aquilo que fica implícito no discurso, no entanto, deixa margem de interpretação para os próximos passos do desenrolar do conflito. Por uma ótica construtivista, é verificado que Trump, por meio de seu discurso, aprofunda os laços entre os EUA e Israel, além de não condenar a violência sistemática cometida de diferentes formas – seja por meio do assassinato de inocentes ou da fome como uma arma de guerra – por israelenses. Ou seja, é esperado que os EUA, apesar da brutalidade e barbárie cometidas por Israel, mantenham-se aliados desses, haja vista que o que é dito é importante e materializa-se na realidade.

Por outro lado, as relações entre as duas nações e a situação de Gaza encontram-se totalmente desgastadas. Indubitavelmente, em uma perspectiva histórica, Israel tem a conduta de expansão e posse forçada da terra dos palestinos. Por razões óbvias e pela busca de prestígio político, Trump não menciona este fato, criando uma dicotomia  contraditória – uma disputa entre aqueles bons, Israel, e maus, palestinos, que tomam corpo na existência do Hamas. As ações realizadas pelos israelenses, até o momento, portanto, têm fundamento e são importantes, de acordo com o discurso proferido pelo estadunidense. No entanto, enquanto observadores da esfera internacional, não podemos fechar os olhos ou mesmo acreditar levianamente no discurso. Israel tem um plano e esse plano não cessa com a liberação dos reféns. Segundo uma reportagem da CNN Brasil, Israel realizou um ataque em Gaza no dia 29/10/2025, deixando 104 mortos. Entre esses, estavam pelo menos 46 crianças e 20 mulheres, segundo o Ministério da Saúde do enclave. Esse dia foi marcado como o mais sangrento desde o estabelecimento do “cessar-fogo”. 

É importante atentarmos, portanto, à continuação do genocídio israelense contra o povo palestino, apesar de discursos oficiais nos dizerem palavras que celebram a paz. Na política, logo, é importante a análise do discurso para entender os interesses que serão contemplados e entender que são feitos para almejar prestígio político. No entanto, a análise da relação entre os atores e o comportamento histórico das partes tende a falar mais alto do que discursos proferidos por políticos. Nossos olhos, nesse sentido, ainda devem permanecer voltados a Gaza e ao povo palestino, que ainda sofre sequelas indiretas e diretas do assassinato sistemático dos seus.

Referências:

ONUF, Nicholas. Constructivism: A User’s Manual. In: SHAFRITZ, Jay M. (ed.). International Relations in a Constructed World. 1. ed. Londres: Routledge, 1998. p. 59-80. Disponível em: https://www.taylorfrancis.com/chapters/edit/10.4324/9781315703299-3/constructivism-user-manual-nicholas-onuf.

G1. Trump discursa no Parlamento de Israel após 20 reféns libertados. G1 Mundo, Rio de Janeiro, 13 out. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/10/13/trump-discurso-parlamento-israel-apos-20-refens-libertados.ghtml.

CNN BRASIL. Israel mata 104 pessoas em Gaza em meio a cessar-fogo mediado por Trump. CNN Brasil Internacional, São Paulo, [Data de publicação], [Horário de publicação]. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-mata-104-pessoas-em-gaza-em-meio-a-cessar-fogo-mediado-por-trump/.

AGÊNCIA BRASIL. Israel anuncia restabelecimento do cessar-fogo após ataques a Gaza. Agência Brasil Internacional, Brasília, DF, 14 out. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-10/israel-anuncia-restabelecimento-do-cessar-fogo-apos-ataques-gaza#:~:text=O%20acordo%20previa%20que%20o,e%201.718%20detidos%20em%20Gaza.