Do “cálice” da ditadura ao “cale-se” da democracia

Após a recente tentativa de golpe, o governo Lula, eleito para defendera democracia brasileira, prefere o silêncio covarde.

Hoje completam-se 60 anos do golpe de 1964 que levou ao fim da democracia da Nova República brasileira, iniciada com o fim da ditadura getulista na década de 1940. O golpe, celebrado ainda hoje por parcelas da sociedade (em especial nas casernas) como uma “revolução democrática” levou o país a um estado de repressão de movimentos sociais que duraria 21 anos. Esta deveria ser uma data que não deveria ser esquecida. Pelo contrário, é necessário utilizá-la como referência histórica para que nosso país se lembre que a democracia não é algo dado, tampouco natural.

Infelizmente, esses 60 anos do golpe não se tornaram menos importantes nos últimos anos. Após um mandato de um presidente que desdenhou do estado democrático-liberal conquistado há pouco mais de 40 anos, mas que, de maneira mais importante, envolveu-se em uma trama com parte das forças armadas e da sociedade civil a fim de levar a cabo um novo golpe tão próximo a este aniversário de 60 anos, é ainda mais imprescindível que a memória do golpe de 1964 se mantenha viva pelo aquilo que ela é: a reversão da ordem democrática liberal por meio de sua substituição pelo autoritarismo militar.

Entre aqueles que defendem a democracia, ter um posicionamento similar não seria uma surpresa. No entanto, o que surpreende é a posição tomada pelo atual governo que, elegendo-se sob a bandeira da defesa da democracia e passando pela tentativa de um golpe de Estado, prefere o silêncio covarde. Há pouco mais de um ano, no momento em que as instituições democráticas se uniram após os ataques às sedes dos três poderes em Brasília, houve um momento perfeito de união nacional que deveria ter sido usado para deixar claro às forças autoritárias, sobretudo no exército, que não há lugar para esse pensamento antidemocrático no Brasil dos anos 2020.

Usando-se de uma conciliação perigosa, para não usar a palavra covarde, o presidente Lula repete a política de apaziguamento que já havia adotado em seus primeiros mandatos. Para Lula, e aliados que defendem essa abordagem, não há motivos para criar “atritos” com os militares, uma vez que isso pode “acirrar” os ânimos no país e o que precisamos no momento é “paz”.

Não reconhecer e condenar o óbvio por medo de melindre com militares, no entanto, é, por um lado, um laudo de que algo não está bem na democracia brasileira e, por outro, um claro limite de até onde se vai com a defesa do Estado democrático brasileiro. Claro que o país está polarizado, de maneira como jamais esteve há décadas, mas a solução para essa situação não é o não-confronto com pautas que são essenciais para a vida em comum. Afinal, o sistema político do país é a pedra fundamental sobre a qual se deve construir (ou restaurar) a sociedade brasileira.

Claro que já houve uma “vitória”, se pudermos chamar assim, para o campo democrático. Desde o ano passado, não há mais comemorações do golpe em quartéis1. Neste ano, uma política parecida se repete, com ameaças do atual comandante do exército, Ga. Tomás Ribeiro Paiva, em punir quem contrariar a diretriz2. Além disso, a ordem de Lula para que a celebração do aniversário do golpe, onde se traria daquilo que o golpe significou, também no contexto da tentativa de um novo golpe em 2023, parece encontrar apoio em uma grande parcela da população. Uma pesquisa DataFolha recente mostrou que 59% dos brasileiros considerariam correta a posição do governo em proibir ministros de realizarem atos sobre os 60 anos do golpe3. Assim, apenas uma “bolha” de 33% veria a proibição de maneira crítica.

O problema com isso, e os dados corroboram essa afirmação, é de que a gravidade de um golpe de Estado não está bem sedimentada na psiquê dos cidadãos brasileiros. Esta é a explicação lógica pela qual muitos não veem problema em não problematizar o golpe de 1964, tampouco em punir aqueles envolvidos na tentativa de golpe do 6 de janeiro de 20234.

Por mais que nas escolas atualmente se ensine o termo correto para o golpe e a ditadura, há muitos na sociedade que continuam a falsamente nomear esse período da história política brasileira como “revolução” ou “regime militar”, a fim de tratar um crime de lesa-pátria como algo heroico. Em sua luta quixotesca contra o moinho comunista, os militares brasileiros ainda são tratados por muitas pessoas, comuns e influentes, como aqueles em que se pode confiar e que têm um aval para “moderar” o sistema político brasileiro, tal qual a extinta função do imperador do Brasil.

Na República brasileira, o próprio sistema político deve se autorregular por meio de suas instituições democráticas. Essas estão representadas pelos três poderes constitucionais, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Nem o exército, nem qualquer outra instituição ou movimento está habilitado constitucionalmente para intrometer-se no funcionamento do Estado democrático brasileiro.

Não se pode permitir que haja intrusos. O preço a pagar por ignorar o perigo autoritário é a possibilidade de que o “cálice” da ditadura se torne um “cale-se” atual, corrompendo pouco a pouco o sistema democrático vigente e, com ele, a liberdade do povo brasileiro.

Fontes

1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/03/31/forcas-armadas-nao-comemoram-golpe-militar-no-31-de-marco-pela-1a-vez-em-cinco-anos.ghtml

2 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2024/02/comandante-do-exercito-diz-que-nao-havera-ordem-do-dia-nos-quarteis-no-aniversario-do-golpe.shtml

3 https://www.poder360.com.br/brasil/datafolha-59-acham-que-lula-agiu-bem-ao-vetar-atos-sobre-golpe-de-64/

4 https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/01/08/para-42percent-punicoes-contra-golpistas-sao-exageradas-diz-pesquisa.ghtml

One thought on “Do “cálice” da ditadura ao “cale-se” da democracia

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