50 anos do primeiro teste nuclear indiano

FOTO: AFP/Getty Images

Como bem coloca Colin Gray, a história estratégica é dependente do curso da história política. Nesse sentido, não é difícil conceber que o desenvolvimento de um programa nuclear indiano foi motivado pelo teste de armas nucleares conduzido pela China. Mais tarde, os dois programas nucleares influenciaram o Paquistão, o qual foi diretamente auxiliado pela China.

A Índia foi terreno fértil para os estudos de pós-colonialismo, mas, ao contrário de outras ex-colônias, não rejeitou as ideias de poder — inclusive militar — perpetuadas por suas antigas metrópoles. Enquanto boa parte do chamado sul global rejeitou com veemência as armas nucleares, a Índia buscou desenvolver seu próprio programa nuclear. Sem constrangimento algum, o Estado indiano aproveitou-se do compartilhamento de tecnologia nuclear para fins pacíficos para, no dia 18 de maio de 1974, realizar seu primeiro teste nuclear bem-sucedido.

Quando a Índia entrou para o seleto grupo de países que já testaram essas armas como parte da Operação “Buda sorridente” (Smiling Buddha — em inglês), a balança de poder regional asiática alterou-se. De igual modo, ao se tornar o sexto país do mundo a ter posse de armas nucleares (atrás apenas dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas), a Índia impactou a política nuclear global.

O programa nuclear indiano, assim como, mais tarde, o paquistanês, é parte do orgulho nacional desses países. Seus nacionalismos são fortalecidos pela posse de um armamento que não só possui grande poder destrutivo, mas também grande poder de influência internacional. Não por acaso, os países vencedores da Segunda Guerra Mundial, que desenvolveram seus programas nucleares até a década de 60, retiveram para si a posse “legal” das armas nucleares. Isso pode ser observado de maneira clara e de modo normativo por meio do TNP (Tratado de Não-proliferação Nuclear), o qual é um tratado desigual. 

Ao separar dois grupos de países, dando-lhes direitos e obrigações distintas, o TNP mina as já remotas possibilidades de um desarmamento geral. Quer dizer, aqueles que já possuem o armamento nuclear o mantém ao mesmo tempo em que impõem restrições para que outros o alcancem. Vale ressaltar, contudo, que o compartilhamento de tecnologia para fins pacíficos é permitido e mesmo encorajado pelo tratado. 

De maneira geral, os Estados nuclearmente armados compartilhavam uma preocupação com a proliferação horizontal, isto é, com a proliferação de armas nucleares para outros países, enquanto aumentavam seus próprios arsenais nucleares (proliferação vertical). Já nas últimas décadas da Guerra Fria, diversas medidas foram tomadas, como a assinatura de tratados bilaterais, a fim de diminuir os arsenais nucleares desses países, em especial EUA e URSS (arsenal herdado pela Rússia). Ainda assim, um desarmamento geral e completo, que já era pouco provável, é, no atual contexto político, quase impossível.

Mas a Índia não assinou o TNP. Após o conflito com a China em 1962, a Índia estava, na verdade, motivada a desenvolver suas capacidades militares. Se não para se igualar ao poderio chinês, ao menos para dissuasão. Nessa seara, a operação Buda Sorridente, ao alcançar a detonação bem-sucedida de um ”mini” dispositivo nuclear, ofereceu a possibilidade de construção de uma dissuasão nuclear indiana a fim de desencorajar ameaças chinesas. A explosão, há 50 anos, de cerca de 8 quilotons, criou uma enorme onda de choque, deixando uma cratera profunda e uma nuvem de cogumelo visível à distância. Maior ainda foi seu impacto na política internacional. Mais tarde, em maio de 1998, com o desenvolvimento de novas tecnologias, o país iria, afinal, testar a capacidade de suas armas nucleares contribuindo, assim, para o seu proósito de dissuasão.

Hoje, estima-se que a Índia tenha cerca de 160 ogivas nucleares, com uma variação de 0.15 a 4.9 quilotons (o que é considerado baixo). Para efeitos de comparação, Little boy, a bomba lançada sobre Hiroshima, tinha cerca de 15 quilotons. Durante a Guerra Fria, bombas muito maiores foram construídas. De todo modo, ao menos no que se refere a guerras regionais ou conflitos de alta intensidade, o modesto arsenal indiano conseguiu, até hoje, cumprir sua principal função: a dissuasão. Ainda assim, o conflito em Kargil, travado entre Índia e Paquistão em 1999, mostrou que as armas nucleares não são sempre suficientes para evitar a guerra.

A doutrina nuclear indiana

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Foto: EFE/EPA/Ragul Krishnan

Em um ano eleitoral na maior democracia do mundo, é interessante notar que o atual primeiro-ministro, Narenda Modi, candidato à reeleição para o terceiro mandato já indicou anteriormente, em 2016, que não pretende alterar a política de ‘não primeiro-uso’. Isso significa que a Índia mantém seu arsenal nuclear, assim como outros países nuclearmente armados, com o objetivo de dissuadir potenciais agressores de usar armas nucleares contra a Índia. O país defende, ainda, que na ausência de um desarmamento geral de armas nucleares, essa postura está de acordo com a Carta da ONU, que permite o direito à autodefesa. Como aponta a Arms Control Association:

A Índia não será a primeira a iniciar um ataque nuclear, mas responderá com uma retaliação punitiva caso a dissuasão falhe. A Índia não recorrerá ao uso ou à ameaça de uso de armas nucleares contra Estados que não possuam armas nucleares ou que não estejam alinhados a potências com armas nucleares.

Apesar dessas palavras, de certo modo, reconfortantes, a Índia é pouco transparente quanto aos seus dados relativos a sua política nuclear, o que pode, naturalmente, contribuir para desentendimentos quanto a suas intenções. Ademais, o contexto geopolítico no qual está inserido – que envolve tensões com China e Paquistão (ambos países nuclearmente armados) – salienta a relevância de seu programa nuclear para a geopolítica asiática.

Linha do tempo

Imagem: Elaboração própria

Referências

https://www.cnbctv18.com/india/decoding-operation-smiling-buddha-indias-first-nuclear-test-and-its-significance-16691461.htm#

https://www.nti.org/countries/india

https://www.armscontrol.org/act/1999-07/indias-draft-nuclear-doctrine

https://carnegieendowment.org/research/2016/06/indias-nuclear-doctrine-debate?lang=en

https://www.orfonline.org/research/re-examining-india-s-nuclear-doctrinehttps://www.icanw.org/china_conducts_its_first_nuclear_test#:~:text=16%20October%201964%20%7C%20China%20conducts%20its%20first%20nuclear%20test&text=China%20explodes%20its%20first%20atomic,underground%20tests%20at%20the%20site

https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/nas-eleicoes-da-india-narendra-modi-busca-novo-mandato-para-consolidar-sua-autocracia/