Reunião do BRICS no Rio termina sem declaração conjunta devido a pauta da reforma do Conselho de Segurança da ONU

A primeira Reunião de Chanceleres do BRICS após a expansão do bloco ocorreu nos dias 28 e 29 de abril. Sediado no Rio de Janeiro e sob presidência brasileira, o encontro abordou temas como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e a COP 30. Apesar do clima amigável durante as discussões, o evento não chegou a um acordo final, devido à falta de consenso no tópico sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A cooperação multilateral recebeu grande destaque nas últimas semanas com a primeira Reunião de Chanceleres do BRICS após a expansão do grupo. Inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o bloco passou por uma reforma em 2024 para contemplar mais seis economias emergentes: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.

O encontro ocorreu nos dias 28 e 29 de abril, no Rio de Janeiro, com caráter preparatório para a Cúpula de Líderes do BRICS, a ser realizada em julho, na mesma cidade. A reunião de abril foi restrita à participação de chanceleres e sherpas, que são diplomatas designados para alinhar as discussões a serem conduzidas em julho.

Durante as sessões, foram abordados temas como crises globais e regionais, a reforma de instituições internacionais e o papel do sul global no multilateralismo. Além disso, os embaixadores discutiram sobre as funções do NDB, em que foi destacado o protagonismo no financiamento da industrialização no Sul Global. O NDB, portanto, figura na nova ordem que está sendo moldada pelo grupo, como alternativa a instituições como o Banco Mundial e o FMI que historicamente partem de uma lógica de países do Norte, não alinhados às realidades dos países emergentes.

O Brasil ocupa a presidência rotativa do bloco, e foi responsável por coordenar os trabalhos do evento. Em seu discurso de abertura, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil Mauro Vieira,  afirmou que “o BRICS tem um papel vital a desempenhar no reforço dos princípios do direito internacional, no apoio à solução pacífica de controvérsias e na promoção da reforma das instituições multilaterais, em particular das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança, para melhor refletir as realidades geopolíticas contemporâneas”.

A reforma do CSNU é um tópico de destaque, devido aos diferentes posicionamentos dos países sobre as mudanças que deveriam ser feitas no órgão. Por esse motivo, a Reunião de Chanceleres não chegou a uma declaração conjunta ao final do evento, emitindo apenas uma declaração da presidência, feita pelo embaixador Mauro Vieira. O comunicado driblou a falta de acordo no tópico do CSNU, focando em temas que possuem consenso como os desafios climáticos e críticas à guerra tarifária.

De onde vem a necessidade de reforma

Atualmente, o Conselho de Segurança é composto por quinze membros. Cinco são permanentes, constituídos no momento da criação da Carta da ONU, em 1945. Chamados de P5, o grupo é composto por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Estes possuem atribuições especiais dentro do órgão, como o poder de veto em qualquer resolução.

Os demais membros (não permanentes) atuam em regime rotativo, eleitos pela Assembleia Geral da ONU para mandatos com a duração de dois anos. Com relação à divisão geográfica, cinco assentos são reservados para África e Ásia, dois para América Latina, um para Europa Oriental, e dois para Europa Ocidental e outros Estados. Segundo a ONU, mais de 50 Estados membros da organização nunca foram eleitos para um mandato no CSNU. Um Estado membro da ONU, mas não do Conselho, pode participar das discussões quando o órgão considerar que os interesses de tal país são afetados, mas sem direito a voto.

Este arranjo institucional já foi questionado diversas vezes pela comunidade internacional, por ser considerado ultrapassado diante das novas configurações geopolíticas que não refletem mais os efeitos congelados pelo contexto pós Segunda Guerra Mundial. Diversos países, como os membros do BRICS, demandam mais espaço no processo decisório, por meio de propostas de reforma para a recomposição da estrutura de membros permanentes e não permanentes. Porém, a falta de consenso sobre como deveria ser esta nova estrutura tornou impossível a mobilização de uma proposta única de mudança. Portanto, a reforma do CSNU segue travada, com a pauta reduzida a negociações longas e repetitivas, sem alterações formais.

As diferentes propostas dentro do BRICS

A primeira menção à reforma veio por meio de uma declaração conjunta após a terceira cúpula do bloco, realizada em 2011 em Sanya, na China. O pronunciamento reafirmou a necessidade de mudança na ordem multilateral, a fim de obter mais representatividade e eficácia no enfrentamento dos desafios globais da atualidade.

Apesar de representarem interesses e motivações diferentes, os países fundadores do BRICS possuíam certo consenso em alguns pontos: é necessário reformar o CSNU para garantir maior visibilidade para os países emergentes. A ordem atual não representa os interesses de todos, congelando uma configuração do sistema internacional que não possui mais a mesma relevância do contexto em que foi fundada. 

O BRICS possui dois assentos permanentes no CSNU, com a China e o Reino Unido. Antes da expansão do grupo, a reforma defendida buscava mais destaque para os demais membros – África do Sul, Brasil e Índia. Os três países constituem o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS, ou IBSA, em inglês), com interesse em garantir a posição fixa dentro do Conselho.

Vale destacar que Índia e Brasil também fazem parte do G4, junto com Alemanha e Japão, que articulam por assentos permanentes dentro do órgão. O grupo é responsável pela proposta mais notável dos últimos anos, que pautava a mudança de quinze para vinte e cinco membros totais, incluindo seis novos membros permanentes, sem poder de veto, e quatro membros rotativos. 

Outro grupo que recebe destaque dentro das negociações pela reforma é a União Africana. A proposta do chamado Consenso Africano, ou Consenso de Ezulwini, é similar à do G4: mais seis membros permanentes e cinco não permanentes, com o total de vinte e seis membros totais. Os permanentes, todavia, seriam dotados do poder de veto. Nota-se que a participação da África do Sul no IBAS e na União Africana é um ponto de conflito, pois a posição a favor dos países do BRICS quebra o Consenso Africano.

Com onze membros, o debate no BRICS agora é voltado para a conciliação de propostas divergentes. A entrada de países como Egito e Etiópia traz à tona a posição declarada da União Africana. As nações questionam a candidatura natural da África do Sul como representante da região, o que diverge do consenso em torno do arranjo estruturado pelos países fundadores. 

O embaixador Mauro Vieira afirmou que os países da União Africana “têm uma posição muito específica, que o Brasil reconhece, adota e aprova e vários outros países também”. A reforma do CSNU é um tópico extenso, que tem sido arrastado há mais de duas décadas. As diferentes visões sobre quem deveria entrar e como deveria entrar no órgão tornam o consenso geral impossível, como tem sido observado nas discussões sobre o assunto. 

A expansão do grupo favorece os países em certos âmbitos, como o fortalecimento do comércio multilateral e as possibilidades de fazer frente às políticas unilaterais adotadas por países do Norte Global. Porém, também tem seus custos, como os impasses na pauta da reforma das instituições internacionais, tão cara aos debates do bloco. Sendo assim, o BRICS precisa negociar o tema com cuidado, para que finalmente haja uma declaração em consenso na cúpula de julho.

Referências

https://unric.org/pt/quais-sao-os-membros-do-conselho-de-seguranca-da-onu-e-como-sao-eleitos

https://www.scielo.br/j/cint/a/4t76pR7xPyqP7RHBwrfNRhL/?format=pdf

https://brics.br/pt-br/noticias/discursos/discurso-do-ministro-mauro-vieira-por-ocasiao-da-reuniao-de-ministros-das-relacoes-exteriores-do-brics-rio-de-janeiro-28-de-abril-de-2025

https://brics.br/pt-br/noticias/declaracao-da-presidencia-do-brics-reforca-compromisso-do-grupo-com-o-clima-transicao-energetica-e-reforma-das-instituicoes-de-governanca-global

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/reuniao-do-brics-no-rio-termina-sem-acordo-sobre-declaracao-conjunta/