A Romênia, país membro da OTAN e da União Europeia, se prepara para mais um momento decisivo em sua história política. Com novas eleições marcadas para maio de 2025, após denúncias de irregularidades e possível interferência russa no pleito anterior, o país se debruça sobre um cenário de polarização e incerteza. Um dos destaques dessas novas eleições é o crescimento avassalador da ultratideira, liderada pelo partido Alianța pentru Unirea Românilor – Aliança Para a União dos Romenos (AUR), cujo líder, George Simion, aparece como favorito nas pesquisas com seus discursos nacionalistas, anti-imigração e críticos à União Europeia. Pesquisas realizadas pelo instituto Verifield demonstram que Simion conquistaria 35% dos votos no primeiro turno, aproveitando o descontentamento popular após a anulação das eleições anteriores em função das suspeitas de interferência russa.
As eleições originais, realizadas no final de 2024, foram suspensas pelo Supremo Tribunal Romeno, com indicação para reiniciar os processos eleitorais por inteiro. O veredito do Supremo Tribunal Romeno ocorreu após o Conselho Nacional de Segurança do país revelar relatórios com supostos apontamentos de que a Romênia sofreu ataques financiados pela Rússia durante o processo eleitoral. O segundo turno, que oporia o pró-Rússia Călin Georgescu (extrema-direita) à candidata de centro-direita Elena Lasconi (pró-União Europeia), foi cancelado após a determinação de um novo cronograma pelo presidente Klaus Iohannis, apesar das negativas de Moscou sobre possíveis interferências. Georgescu, que planejava romper as relações com a Ucrânia e reiterava que Bucareste não tinha pendências com os gastos de defesa da OTAN, personifica as tensões geopolíticas que permeiam o processo eleitoral na Romênia.

O colapso do processo eleitoral romeno
Após vencer o primeiro turno das eleições de 2024, Georgescu foi desqualificado pela Corte Constitucional da Romênia, pelas suspeitas de interferência russa em sua campanha, incluindo manipulação nas redes sociais. Além disso, o político enfrentou acusações criminais, como incitação contra a ordem constitucional e apoio a grupos extremistas, sendo possível a pena de até 25 anos de cadeia.
Após a desqualificação de Georgescu, diversas fake news começaram a circular sobre a União Europeia. Publicações de políticos de extrema-direita alegavam, falsamente, que a UE havia proibido determinados candidatos de concorrer às eleições. Também foi divulgado, de forma enganosa, um suposto aumento da participação em protestos contra a retirada de Georgescu, com vídeos de manifestações massivas — no entanto, o EuroVerify constatou que as imagens eram, na verdade, de protestos anticorrupção ocorridos na Sérvia. Quanto às acusações de que a UE teria interferido diretamente na desqualificação do candidato, a Comissão Europeia afirmou que tomou medidas para combater interferências estrangeiras no processo eleitoral romeno, mas que em nenhum momento impediu a candidatura de qualquer político. A Comissão também abriu um processo judicial contra o TikTok, uma rede social amplamente utilizada durante a campanha de Georgescu, por suspeitas de violação da Lei dos Serviços Digitais, especialmente pela falha em prevenir ou mitigar ameaças à integridade das eleições de novembro de 2024.
A batalha geopolítica
George Simion, uma das figuras centrais da crise eleitoral, consolidou-se como favorito ao capitalizar descontentamento após a anulação dos resultados do primeiro turno. Seu projeto ultranacionalista inclui simpatia ao movimento “Make America Great Again” (MAGA) dos Estados Unidos e endossa críticas ferrenhas à União Europeia e à ajuda militar à Ucrânia, preocupando aliados ocidentais, que temem um possível afastamento da Romênia das políticas da UE. Além de Simion, Crin Antonescu, representante de uma coalizão pró-europeia formada pelo PSD, PNL e UDMR, se mostra como um dos candidatos relevantes, junto a Elena Lasconi do partido USR, que enfrentaria o segundo turno antes da anulação. Ambos estão atrás de Simion nas nas pesquisas, com Antonescu registrando cerca de 20% das intenções de voto.
O sistema eleitoral romeno, proporcional e fragmentado, reflete as divisões sobre o papel do país no cenário internacional. Enquanto partidos como o Partidul Național Liberal – Partido Nacional Liberal (PNL) e Uniunea Salvați România – União para Salvar a Romênia (USR) defendem listas únicas para eleger deputados (visando governabilidade a favor da União Europeia), o partido de extrema-direita Alianța pentru Unirea Românilor – Aliança Para União dos Romenos (AUR) prefere formação de distritos uninominais, principalmente como estratégia para ampliar sua bancada nacionalista. Essas disputas internas em relação às regras técnicas refletem uma “competição” entre integração europeia e soberania, com a Guerra da Ucrânia como pano de fundo.
Os principais partidos transformaram a geopolítica em plataformas eleitorais. O PSD, tradicionalmente pró-Rússia, moderou seu discurso após sanções da UE, mas ainda resiste ao aumento da meta de gastos militares, uma pauta amplamente defendida pelo PNL. Já o USR se utiliza de escândalos de corrupção em contratos de defesa para atacar ambos, enquanto o AUR propõe um referendo sobre permanência na OTAN. As pesquisas mostram que 58% dos eleitores decidirão seu voto com base nesses posicionamentos.
Ultranacionalismo como ameaça à integração europeia
O avanço desses discursos ultranacionalistas, encabeçados por figuras como George Simion e Viktor Orbán na Hungria, que também criticaram a postura da União Europeia diante da proteção às minorias, pode ser visto como uma tendência de afastamento de países com esses líderes das políticas integracionistas europeias. Embora esses discursos ecoem o descontentamento popular com a instabilidade e a corrupção, cabe questionar como essa retórica de ‘soberania nacional’ afetará a integração estratégica da Romênia na União Europeia. Ao questionar abertamente e criticar a atuação da UE, o AUR instrumentaliza os sentimentos nacionalistas de modo a ignorar soluções concretas para os problemas estruturais e a manutenção do bem-estar social. Esse tipo de postura compromete relações diplomáticas e econômicas consolidadas e põe em risco os avanços democráticos alcançados nas últimas décadas. A narrativa de ruptura, disfarçada na defesa dos interesses nacionais, tende a alimentar um ambiente de instabilidade que beneficia aqueles que lucram com desinformação e fragmentação regional.
A renúncia de Klaus Iohannis, anunciada em fevereiro, coroa meses de instabilidade política agravada pela anulação das eleições e das irregularidades no processo. Embora o mandatário alegue “motivos institucionais”, o contexto mostra um profundo desgaste: pressionado por protestos populares e investigações sobre corrupção no PNL, Iohannis deixa um vácuo de poder que ameaça acelerar a ascensão do AUR, que já lidera as pesquisas com seus discursos eurocéticos. A crise é fruto da fragilidade do sistema político romeno, dividido entre integração europeia e o crescente apelo por soluções ultranacionalistas. Seu desfecho poderá redefinir uma fração do equilíbrio geopolítico em uma região onde a Rússia e a UE silenciosamente disputam por influência.
Outra esfera é a forma como a geopolítica tem sido utilizada como ferramenta eleitoral, transformando debates em palanques ideológicos. A guerra na Ucrânia é uma questão que exige análises e políticas de Estado bem estruturadas, mas acaba sendo reduzida a slogans por candidatos ultranacionalistas que negam, cegamente, a realidade dos conflitos e capitalizam o medo e o descontentamento popular. A exploração oportunista desses temas distorce a percepção pública sobre os reais impactos do conflito e das alianças internacionais, criando falsas dicotomias entre soberania nacional e integração europeia. A lógica simplista ignora o cenário global interdependente e fragiliza os debates democráticos ao desviar o foco das necessidades urgentes de reformas institucionais e das políticas integradoras para atender às demandas sociais.
Integração e isolamento em xeque
Diante da complexidade do cenário, as eleições romenas de 2025 se traduzem em momentos-chave para a definição dos rumos de uma nação posicionada entre a manutenção da integração e o apelo populista de uma soberania moldada em cima de discursos extremistas. A ascensão do AUR, partido de Simion, e de outras lideranças ultranacionalistas se mostra enquanto uma crise na confiança da democracia representativa e nas instituições tradicionais. Porém, pondera-se até que ponto esse descredibilidade pode justificar propostas que minam valores democráticos e deslegitimam órgãos e parcerias internacionais, como no caso da UE.
A Romênia, diante de uma decisão eleitoral crucial, tem nas urnas a chance de redefinir seu papel no equilíbrio político europeu. Embora o descontentamento popular seja legítimo, a resposta não deve vir do enfraquecimento das instituições nem de interesses individuais, mas de reformas graduais nos processos eleitorais e no debate público. Ainda há como evitar a perpetuação da crise atual e garantir que as escolhas políticas permitam que a democracia perdure no país.
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