40 anos do Acordo de Schengen: o princípio que começa a envelhecer como leite

Em seu aniversário de quatro décadas, o acordo que iniciou a onda de livre movimentação na Europa está seriamente ameaçado na atualidade.

Há exatos 40 anos, em 14 de junho de 1985, líderes da Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos assinaram um acordo para abolir gradualmente os controles de fronteira entre seus países na cidade luxemburguesa de Schengen, onde se encontra uma tríplice fronteira entre Luxemburgo, França e Alemanha. O princípio da livre movimentação de pessoas já havia sido previsto no Tratado de Roma, da década de 1950 e que deu início à integração europeia após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a questão trazia fortes impasses entre os então dez membros das Comunidades Europeias.

A livre movimentação de pessoas, porém, se encontra no centro de movimentos de integração de países mais próximos há mais tempo. Ainda na década de 1950, os países nórdicos, fortemente relacionados por sua história em comum, já haviam estabelecido a chamada “União Nórdica de Passaportes”. Através dela, cidadãos da Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia podiam viajar, residir e trabalhar para e no território uns dos outros sem a necessidade de nenhum documento extra. Na mesma década, os países do chamado “Benelux” (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) também aboliram, na prática, as fronteiras entre seus países para seus cidadãos.

Neste sentido, com o desenvolvimento embrionário do que viria a ser, alguns anos depois, a União Europeia (UE) como a conhecemos atualmente, o acordo de Schengen foi um alargamento quase natural para os países que desejavam uma cooperação mais próxima, com intuito também de gerar uma aproximação entre diferentes povos europeus, sobretudo entre aqueles que ainda guardavam rusgas bélicas de séculos (leia-se, Alemanha e França).

É importante ressaltar, no entanto, que Schengen só passou a ser algo relacionado à União Europeia lá pelo fim da década de 1990 (o que ficou conhecido como o “acquis de Schengen”). Até então (e, na prática, até hoje) Estados europeus escolhiam livremente se queriam, ou não, associar-se à zona de livre movimento. Desde então, porém, países interessados em entrar na UE devem já se preparar para adentrar a zona de livre movimento.

Mas, este desenvolvimento não foi óbvio. Os impasses encontrados em 1985 continuaram ao longo dos anos, o que fez com que alguns países do bloco continuassem ou fora do acordo (como é o caso da Irlanda e do Reino Unido, quando ainda era membro da UE) ou conseguissem obter exceções ao regime de livre movimentação (como é o caso da Dinamarca, que manteve o direito de manter controles nas fronteiras). Mais ainda, outros países não associados à União Europeia também demonstrariam interesse em participar do regime, sem, no entanto, adentrar a União (como o caso da Suíça, Noruega e Islândia). Em algumas décadas, a livre movimentação tornou-se praticamente a regra em um continente que, por séculos, foi caracterizado por um forte nacionalismo e guerras (muitas vezes baseadas em conquista e controle de territórios).

Zona de Schengen na atualidade.
Membro da UE em Schengen; Membro da UE fora de Schengen, mas com vistas a entrar; Membro da UE fora de Schengen; País fora da UE, mas na zona de Schengen; País fora da UE e fora de Schengen, mas, na prática, pertencente à zona de Schengen; País fora da UE de e fora de Schengen, mas que tem fronteiras abertas.

Tendo se tornado parte do que é chamado no jargão europeu de “acquis communautaire“, ou seja, uma matéria regulada pela União Europeia e que é válida para todos os seus membros (com as exceções pontuadas anteriormente), mudanças no regime de livre movimento são tomadas apenas dentro do quadro do procedimento legislativo da União Europeia que são, por sua vez, regulados pelos tratados da União. Decisões sobre o regime são responsabilidade das casas legislativas de facto da União: o Parlamento Europeu (eleito diretamente pelos cidadãos da União) e o Conselho de Ministros (formado por ministros dos Estados-membros). A Comissão Europeia atua como órgão de monitoração dessas medidas por parte dos Estados-membros.

Os governos dos países da UE, ainda, poderiam determinar alterações ao regime de maneira mais direta, mas apenas por meio de uma alteração dos tratados da União Europeia, por meio de uma reunião formal do Conselho Europeu (formado por chefes de governo e estado), em um processo complexo que necessita unanimidade. Mas, como na prática, mudança de tratados é algo evitado, dadas as suas imprevisibilidades e alto custo para os países, fronteiras internas de Schengen são e (muito provavelmente) continuarão a ser um assunto exclusivo da UE. Países que não são membros da União Europeia, mas escolheram entrar na zona de Schengen, como Suíça, Noruega e Islândia, por exemplo, têm menos chances ainda de alterar o regime, visto que não têm nenhuma representação em organizações comunitárias (nem no Parlamento, nem no Conselho de Ministros). A esses países, resta ou aceitar ou retirar-se da zona.

Esta é a visão teórica de como funciona a Zona de Schengen. Uma olhada na prática, porém, nos permite uma interpretação do regime um pouco mais nuançada.

Ao contrário do que se imagina (e se publica normalmente), os Estados ainda têm prerrogativa para controlar suas fronteiras dentro do regime de Schengen, por mais que estas sejam limitadas.

O documento mais recente que determina as regras para movimentação de pessoas no regime de Schengen é o Código das Fronteiras (CFS) de 2018. Neste documento, aprovado pelo Parlamento e Conselho, mantém-se o princípio de livre movimentação, indicando em seu artigo 22 que “as fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controle das pessoas, independentemente da sua nacionalidade“. Ele também, no entanto, prevê a reintrodução temporária de controle por parte de Estados-membros. Essa decisão, inclusive, é premissa do Estado-membro em questão.

O artigo 25 do Código prevê que fronteiras possam voltar a ser controladas, em caráter temporário, em caso de “ameaças graves à ordem pública ou à segurança interna” de um país pertencente à Zona de Schengen. Aqui, porém, vê-se uma primeira ambiguidade. O primeiro parágrafo prevê um prazo máximo inicial de 30 dias para a reintrodução dos controles, mas também permite que eles durem mais, desde que haja uma “duração previsível da ameaça grave“. Isso, porém, só deve acontecer como último recurso e “não deve exceder o [período] estritamente necessário” para conter essa ameaça. Caso, após o período indicado, a ameaça persistir, esses controles podem ser prolongados por períodos não superiores a 30 dias.

No total, porém, os controles não poderiam durar, após sucessivas prolongações, mais de seis meses, de acordo com o parágrafo 4. Mas, o mesmo parágrafo afirma que, “em circunstâncias excepcionais (…) esse período pode ser prorrogado pelo prazo máximo de dois anos“. Ou seja, até então, vê-se que um Estado pode, unilateralmente, reintroduzir controles até no máximo 30 dias, que podem aumentar para 60, não passando de seis meses, que, por sua vez, podem aumentar para dois anos…

Segundo o Código, porém, para reimplementar de fato as fronteiras, o Estado em questão deve informar os demais países e a Comissão no máximo quatro semanas antes do início dos controles. Mas, caso a ameaça surja repentinamente, esse período pode ser menor. As informações que devem ser relatadas são: os motivos para a reintrodução da fronteira, seu alcance (indicando onde exatamente isso acontecerá), duração e, ainda, nomear medidas que outros Estados-membros podem tomar para auxiliar. À Comissão é dado o direito de requerer mais informações sobre essa reintrodução, mas não pode impedi-la.

Como se pode ver, não é tão difícil reimpor controles de fronteira dentro da Zona Schengen. Mesmo assim, considerando o território todo da área de livre movimentação, eles continuam sendo mais exceção que regra, por mais que os números não sejam tão pequenos como se pode imaginar.

A Comissão Europeia, responsável pela supervisão do espaço interno, disponibiliza uma lista com os casos de reintrodução temporária de fronteiras. O que se apresenta aqui como “controles individuais” são, na verdade, os casos que foram reportados à Comissão. Eles podem ser em alguns cruzamentos específicos ou em toda a fronteira de um país com outro, durando algumas horas até diversos dias.

Segundo a Comissão, desde 2006, 471 controles individuais foram oficialmente registrados, estando 14 em vigência no momento da escrita deste artigo. Uma análise simples do documento mostra que o país que mais reinstaurou controles de fronteira foi a Áustria, com 64 informes, seguida da Alemanha, com 50. Na tabela abaixo, vê-se o top 5 de países que mais informaram reintroduções de controles de fronteira desde 2006.

Estado-membro
Controles individuais
(desde 2006)
Duração média dos controles (em dias)
Áustria6478
Alemanha5089
Noruega4392
Finlândia3322
França26140

Considerando todos os casos reportados desde 2006, tem-se uma média de controles que duram cerca de 66 dias. Desde 2014, no entanto, o primeiro ano do que ficou conhecido como “Crise dos Refugiados”, esta média subiu para 70 dias. Por ano, houve uma média de 22,8 controles reintroduzidos, que cresce para 35,8, considerando apenas o período de 2014-2025 (um aumento de quase 60%). É claro que a pandemia teve um impacto considerável nos dados, visto que a maioria dos países reintroduziu restrições no regime de livre movimento. No entanto, um aumento considerável já se via desde 2013, quando os controles passaram de uma média de menos de 10 por ano para quase 20, como se vê na imagem abaixo.

Controles de fronteira reintroduzidos por países da Zona de Schengen desde 2006. Dados da Comissão Europeia.

Se desconsiderarmos os anos da pandemia de 2020 e 2021, vemos que, mesmo após o fim do estado emergencial gerado pela Covid, os países tenderam a impor mais controles, numa ordem de quase seis vezes a mais que antes dos anos 2010. Outro dado interessante, para além dos controles pontuais, é a duração desses. A tabela abaixo mostra os cinco países onde mais houve controle de fronteira desde 2014. Para esta análise, excluem-se os anos de 2020 e 2021, já que quase todos os países introduziram controles devido à Covid (sendo este o maior motivo para introdução de controles nesses dois anos). Vê-se logo que alguns países excedem e muito o período “máximo” de dois anos previsto pelo Código das Fronteiras.

Estado-membro

Controles de fronteira
individuais (desde 2014 – excluindo 2020/2021)
Duração média dos controles (em dias)
Duração total de dias de controles
(em dias)
Áustria4688,284.061
Alemanha34110,793.767
Noruega25119,682.992
Dinamarca21137,902.896
Suécia20145,852.917

Considerando a duração total de dias de controles impostos por esses cinco países, vê-se que, em um período de dez anos, houve controle em ao menos alguma fronteira quase que de maneira constante. Como se pode ver no mapa abaixo, os países que mais impõem controles de fronteira dentro da Zona de Schengen costumam ser aqueles que não se encontram nas fronteiras externas da UE, com exceção da França e da Itália, que têm acesso pelo Mar Mediterrâneo. A campeã de controles fronteiriços, a Áustria, está localizada bem no meio de duas zonas de grandes fluxos migratórios de fora da UE, a do Mediterrâneo (advinda da Itália) e dos Balcãs (advinda da Croácia/Eslovênia e Hungria).

Mapa da Zona de Schengen com a quantidade de controles individuais e o total de dias de controle por país entre 2014 e 2025 (excluindo 2020 e 2021). Legenda das cores: Membro de Schengen e da UE; Membro de Schengen, mas fora da UE; Membro da UE, mas fora de Schengen; Área de país da UE sob domínio de país fora da UE; fronteiras externas terrestres de Schengen/da UE.

O que se percebe, sobretudo nos países onde houve controles por um período mais prolongado, é que a justificativa mais comum dada para impor os controles de fronteira é o perigo de terrorismo ou do fluxo acrescido de refugiados. Na maioria dos países, porém, a justificativa é o acontecimento de algum grande evento internacional (como cúpulas do G7, visitas de chefes de estado ou premiações internacionais). Entre 2020 e 2021, a justificativa mais comum foi a pandemia.

O mais interessante de se observar, porém, é que o Código de Fronteiras de Schengen traz em suas considerações, mas não nos artigos, que “migração e o cruzamento de fronteiras externas por um grande número de nacionais de países-terceiros não deve, per se, ser considerado uma ameaça à ordem pública ou segurança interna”. No entanto, esta é uma das justificativas mais usada por Áustria, França, Alemanha, Suécia, Dinamarca e Noruega.

O período que ficou conhecido como “Crise dos Refugiados” observou, de fato, um aumento massivo na quantidade de requerentes de asilo adentrando o território da União Europeia (ou da Zona de Schengen) de maneira irregular. Dados do Conselho Europeu mostram que, apenas em 2015, mais de um milhão de pessoas entraram de maneira irregular no território europeu, o que é mostrado na imagem abaixo.

Fluxos migratórios ilegais para território da União Europeia de 2015 a abril de 2025. A “rota central” refere-se ao fluxo de pessoas saindo do norte da África e chegando ao continente pelo Mediterrâneo, seja por Malta ou Itália. A “rota leste” refere-se ao fluxo de pessoas que atravessaram a fronteira pela Grécia, vindo normalmente da Turquia. A “rota oeste” refere-se ao fluxo de pessoas vindo do norte da África que atravessaram próximo a Gibraltar entrando na Espanha. Dados do Conselho Europeu.

O que a imagem mostra, porém, é que o número de pessoas adentrando o regime de livre movimento caiu drasticamente nos anos seguintes, chegando a um mínimo de 121 mil em 2019, se desconsiderarmos o primeiro ano da pandemia em 2020 (quando apenas 97 mil pessoas cruzaram as fronteiras externas de maneira ilegal). Houve um aumento a partir de 2021, chegando a um novo pico em 2023 de 275 mil pessoas que rapidamente se reverteu a cerca de 207 mil no ano seguinte. Esses números, porém, representam cerca de um quarto dos números vistos em 2015. Além disso, ao que tudo indica, demonstram uma tendência de queda novamente.

Com a Guerra na Ucrânia estourando em 2022 e as sequelas econômicas deixadas por três anos de pandemia, um problema muito maior passou a tomar conta do dia a dia dos países europeus: a economia. No entanto, isso não impediu que políticos de extrema-direita (ou aqueles mais influenciados por esses) continuassem a utilizar refugiados (ou, mais globalmente como muitos tratam, “migrantes”) como bode expiatório para os problemas de suas nações.

Com efeitos externos e internos causados por desavenças no último governo alemão da chamada “coalizão semáforo”, que ruiu no final de 2024 graças à sabotagem de um dos partidos da coalizão (os liberais), a extrema-direita angariou um forte apoio, tornando-se a segunda maior força no parlamento alemão, pela primeira vez desde a década de 1930, quando Hitler chegou ao poder. Qual sua maior bandeira? “Remigração” dos migrantes, um conceito extremista. “Migrantes” é o termo mais usado que só é mais “bem definido” como “migrantes ilegais” quando algum político ou simpatizante da extrema-direita alemã é pressionado a definir o termo. Em 2024, porém, dados vazados na imprensa alemã revelaram que o partido de extrema-direita idealiza a deportação em massa não só de “imigrantes ilegais”, como também de refugiados, migrantes legais e até mesmo cidadãos alemães que têm um “passado migratório”1.

A centro-direita alemã, representada pelos democratas-cristãos, a fim de não perder mais votos para a extrema-direita, embarcou também em uma campanha populista usando não os termos, mas a mesma base ideológica da extrema-direita. Falou-se em fechar fronteiras2 e mesmo na retirada de cidadania alemã de pessoas que tivessem se naturalizado3. No final, isso lhes rendeu alguma percentagem a mais do que os extremistas de direita.

A propaganda da extrema-direita, apoiada pela centro-direita, teve seus resultados. Pouco antes das eleições, mais de 40% dos alemães apontavam “migração” como um dos maiores problemas da Alemanha (a mesma quantidade que apontava que a “situação econômica” do país era um problema)4, 5. Crise energética, mudanças climáticas, o custo de vida, salários, aposentadorias e mesmo a ameaça russa, todos esses temas (os reais prolemas da Alemanha, diga-se de passagem) só eram vistos como grandes problemas por menos de 20% dos respondentes. No fim, ao se formar uma coalizão com os social-democratas, porém, a narrativa populista se diluiu na formação de um novo governo, mas nem tanto.

O novo governo alemão está ficando mal visto entre seus parceiros europeus com sua nova política de controles de fronteiras, algo prometido pelo candidato (e atual chanceler) dos democratas-cristãos, Friedrich Merz. Por mais que sua promessa de “no dia um, fronteiras fechadas” (em um devaneio trumpista) não tenha se concretizado (já que ele não têm poder para isso de toda forma), seu novo Ministro do Interior, Alexander Dobrindt, implementou uma política migratória severa que não só impôs controles de fronteira em todas as fronteiras alemãs, como autorizou policiais a expulsar requerentes de asilo na fronteira (algo que fere o direito internacional, o direito europeu e a constituição alemã). Tanto é assim que o governo perdeu em um processo levado à justiça alemã em Berlim por pessoas que foram expulsas ao cruzar a fronteira entre a Polônia e a Alemanha de trem. A decisão fez com que os juízes recebessem ameaças de morte e levou a ministra da justiça, social-democrata, a defender os magistrados6. No entanto, o ministro afirmou que continuará mantendo a política de expulsão nas fronteiras, apesar de a justiça ter declarado essa medida como uma violação do direito europeu7.

A política do novo governo alemão trouxe críticas dos parceiros europeus que veem as medidas como uma ameaça ao regime de livre movimentação de Schengen. O governo de Luxemburgo já havia levado o caso da política de controles indefinidos propostos pela Alemanha à Comissão Europeia em fevereiro deste ano, antes mesmo de a nova política entrar em vigor. No entanto, o Ministro do Interior de Luxemburgo, Léon Gloden, apesar das fortes críticas à nova política alemã, afirmou que não levará o caso à Corte Europeia8. O próprio ministro alemão, porém, afirmou que levaria o caso à Corte Europeia, defendendo que suas medidas são “necessárias para evitar o avanço da extrema-direita” (enquanto leva a cabo políticas similares às desta)9.

No país vizinho, nos Países Baixos, o governo direitista, patrocinado pela extrema-direita, caiu recentemente por não ter ido muito mais adiante com as políticas contra imigrantes. Ali, estrangeiros foram usados como bode expiatório para a moradia escassa no país. Nas eleições de 2023, entre os temas mais importantes apontados pelos eleitores holandeses estava “migração e asilo”. Diferentemente do caso alemão, no entanto, este tema aparecia atrás de questões de bem-estar social e equidade10. Durante a campanha para as eleições, o partido de extrema-direita, o PVV de Geert Wilders, defendeu a ideia de que “mais de 75% das moradias vão para estrangeiros” e, portanto, era preciso fechar as fronteiras para que os holandeses pudessem voltar a ter moradia (o que não é correto)11.

Apesar disso, o partido de extrema-direita, o PVV, foi eleito em primeiro lugar nas eleições com 23,5% dos votos12. A coalizão formada foi de centro-direita à extrema-direita, com os partidos VVD (centro-direita, do ex-premiê Rutte), NSC (democratas-cristãos), PVV (extrema-direita) e BBB (populistas de direita). Como a figura de ponta do PVV, Geert Wilders, não se mostrou um líder muito tragável para ser eleito premiê, ele manteve-se como político mais importante na coalizão, mas sem receber o cargo mais importante por falta de apoio13.

Os partidos da coalizão, no entanto, estavam bem dispostos a levar a cabo políticas e ideias encabeçadas pelos extremistas de direita. Com a desculpa de que estrangeiros estão tomando as residências de holandeses, iniciou-se uma política que visa a desincentivar o uso do inglês como língua nas universidades, a fim de diminuir fortemente o número de estudantes estrangeiros14, por mais que todos os partidos da coalizão (exceto o PVV) tenham votado a favor de uma moção no parlamento para “manter estudantes e talentos estrangeiros na Holanda”15. A Ministra do Asilo, Marjolein Faber, do PVV, cortou metade do orçamento anual da ONG VluchtelingenWerk a fim de sabotar a ajuda a requerentes de asilo já em território holandês, o que gerou uma onda de críticas entre políticos do país e um processo perante a justiça do país16, 17. No final, a justiça deu causa ganha à ONG afirmando que mudanças dessa magnitude do orçamento só podem acontecer caso a situação que exige esse orçamento seja alterada (o que não é o caso)18.

Sem conseguir implementar medidas mais drásticas contra imigrantes, Wilders retirou seu partido da coalizão fazendo com que o governo caísse no início deste mês de junho e que novas eleições sejam realizadas ainda este ano19. A atmosfera anti-imigrantes, porém, nunca para com as forças políticas.

Holandês conduzindo controle ilegal de fronteira entre a cidade holandesa de Ter Apel e a cidade alemã de Rütenbrock no sábado 14 de junho de 2025.

No último fim de semana, um grupo de pessoas passou a conduzir controles de fronteira entre a Holanda e Alemanha20. Eles chegaram a ser expulsos por policiais alemães que foram parados pelo grupo que estava conduzindo esses controles ilegais dentro do território alemão21. Ao ser questionado sobre o caso, Wilders afirmou que essas pessoas são “heroínas” e é uma “iniciativa fantástica”22, enquanto o concelho da cidade onde o grupo está parando automóveis vindos da Alemanha afirmou que isso é perigoso e ilegal23.

Esses exemplos mostram como a livre movimentação no continente está sendo ameaçada por forças políticas anti-integração. Vê-se que as ideias da extrema-direita não só se normalizaram como estão se tornando política (oficial e extra-oficial), tendo repercussões na vida de cidadãos europeus e residentes desses países. Com a desculpa de que estrangeiros estão acabando com seus países (seja com a questão econômica, seja com a moradia ou outros motivos mais abertamente racistas), adeptos de ideologias seccionárias vão ganhando mais força e impondo seus ideiais que põem em xeque uma construção pacífica e de união que levou boa parte da Europa ao seu maior período de paz na história. Mais uma vez o que se vê é que políticas desenvolvidas de destruição de instituições e ideais humanísticos nunca começam no ponto mais alto, mas sim com pequenas ações que vão se normalizando e ganhando força. Quando elas chegam em um estado de grande força, elas não só se tornam extremamente clara, como também se tornam incrivelmente difíceis de ser paradas.

No caso do regime europeu de livre movimentação, o aniversário de 40 de Schengen é marcado por uma contestação do conceito de livre movimentação que se vê frente a uma ameaça jamais vista antes.

Código das Fronteiras Schengen: https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2016/399/oj/eng

Dados de reintrodução temporária de fronteiras: https://home-affairs.ec.europa.eu/policies/schengen/schengen-area/temporary-reintroduction-border-control_en

Dados dos fluxos migratórios: https://www.consilium.europa.eu/en/infographics/migration-flows-to-europe/#0

1 https://www.br.de/nachrichten/deutschland-welt/remigration-was-ist-damit-gemeint-und-was-noch,UZkPlw2

2 https://www.n-tv.de/politik/Merz-will-am-ersten-Kanzler-Tag-alle-Grenzen-dichtmachen-article25509641.html

3 https://taz.de/Rassismus-der-CDU/!6060700/

4 https://de.statista.com/statistik/daten/studie/1062780/umfrage/umfrage-zu-den-wichtigsten-problemen-in-deutschland/

5 https://www.ipsos.com/de-de/meinungsumfragen/sorgenbarometer

6 https://www.welt.de/politik/deutschland/article256221950/nach-asyl-entscheidung-berliner-richter-erhielten-drohungen-jetzt-schaltet-sich-die-justizministerin-ein.html

7 https://www.t-online.de/nachrichten/deutschland/id_100750286/gericht-abweisung-asylsuchender-hinter-grenze-rechtswidrig.html

8 https://www.t-online.de/nachrichten/ausland/eu/id_100766518/grenzkontrollen-kritik-an-dobrindt-bei-schengen-jubilaeumsfeiern.html

9 https://www.zeit.de/politik/deutschland/2025-06/dobrindt-europaeischer-gerichtshof-zurueckweisungen

10 https://www.scp.nl/publicaties/publicaties/2023/11/06/kwesties-voor-het-kiezen-2023#:~:text=In%20aanloop%20naar%20de%20Tweede%20Kamerverkiezingen%20op,verduurzaming%20en%20de%20krapte%20op%20de%20arbeidsmarkt.

11 https://pointer.kro-ncrv.nl/pvv-overschat-aantal-woningen-dat-naar-migranten-gaat

11 https://www.verkiezingsuitslagen.nl/verkiezingen/detail/TK20231122

12 https://www.rtl.nl/nieuws/artikel/5439953/geert-wilders-geen-premier-van-nieuw-kabinet

13 https://www.rtl.nl/nieuws/politiek/artikel/5475326/kabinet-pakt-internationalisering-aan-studenten

14 https://www.erasmusmagazine.nl/2025/01/22/vvd-nsc-en-bbb-willen-internationale-studenten-behouden/

16 https://www.trouw.nl/politiek/kamer-roept-asielminister-faber-ter-verantwoording-over-schrappen-financiering-vluchtelingenwerk~b89a66fb/

17 https://nos.nl/artikel/2553605-vluchtelingenwerk-naar-de-rechter-om-plotselinge-bezuiniging-minister-faber

18 https://nos.nl/artikel/2555815-rechter-minister-faber-mag-subsidie-vluchtelingenwerk-niet-halveren

19 https://nos.nl/collectie/13996/artikel/2569767-wilders-breekt-met-coalitie-trekt-pvv-ers-terug-uit-kabinet-schoof

20 https://www.rtvnoord.nl/politiek/1309885/groep-burgers-voert-grenscontrole-uit-bij-ter-apel-gemeente-verboden-om-autos-aan-te-houden

21 https://nos.nl/artikel/2570415-groep-burgers-houdt-op-eigen-houtje-grenscontroles-bij-ter-apel

22 https://www.rtl.nl/nieuws/politiek/video/943ca3f6-1b37-48ff-b3ae-f2316ef8173f/minister-van-weel-en-geert-wilders

23 https://www.rtvnoord.nl/politiek/1309885/groep-burgers-voert-grenscontrole-uit-bij-ter-apel-gemeente-verboden-om-autos-aan-te-houden