5 pontos não ditos pelo presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
Na última terça (22), o presidente Jair Bolsonaro foi responsável pelo discurso que abriu a 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Com um texto focado na defesa da política ambiental do governo e do combate brasileiro ao coronavírus, as falas de Bolsonaro repercutiram amplamente – seja gerando apoio, entre os seus apoiadores, ou provocando repudia, por parte dos críticos ao governo.
Aqui, apontaremos 5 pontos que não foram ditos pelo presidente do Brasil em seu discurso.
“Desde o princípio, alertei, em meu País, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade […] Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população.”
Em um trecho inicial do discurso, Bolsonaro afirmou ter defendido um tratamento simultâneo e com a mesma responsabilidade para os problemas sanitário e econômico que assolaram o Brasil. Além disso, afirmou que a impressa brasileira foi responsável por politizar o vírus, disseminando o pânico entre a população.
Pois bem, escolher a defesa da economia ou a defesa do combate ao vírus nunca foi uma questão. Ao menos para aqueles que entendem que o vírus, inevitavelmente, provocaria impactos sociais e econômicos – como de fato provocou em todos os países gravemente afetados, entre os quais está o Brasil – havia um entendimento de que a forma mais rápida de voltar às atividades econômicas seria com o enfrentamento adequado ao vírus. Como esclarece a economista Laura Carvalho na obra Curto-Circuito, a disseminação acelerada no vírus provocou choques de demanda e oferta na economia, os quais só poderiam ser devidamente solucionados com o enfrentamento adequado ao vírus em si.
A separação dada às duas questões por Bolsonaro é justamente uma estratégia de politizar o vírus, a qual foi amplamente adotada pelo governo desde o início da pandemia. Se há responsáveis pela politização do vírus, um deles se chama Jair Messias Bolsonaro.
Além disso, é falsa a suposta defesa de um tratamento simultâneo e com a mesma responsabilidade para as questões sanitária e econômica brasileira por parte do governo. O próprio presidente, no dia 10 de março de 2020, classificou o momento como uma “pequena crise” e que, ao seu entender, era “muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo”. Em seguida, no dia 24 de março, em um pronunciamento em rede nacional, o presidente tratou o coronavírus como uma “gripezinha, ou resfriadinho”. Passados mais de seis meses, mais de 132 mil vidas brasileiras foram perdidas em razão da Covid-19, tornando a doença a causa-morte com mais vítimas em um único ano já registrada no país.
“Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao Presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País”
É falaciosa a afirmação do presidente de que coube ao Governo Federal o envio de recursos e meios a todo o país. A decisão judicial (Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341) do Supremo Tribunal Federal surgiu após a Medida Provisória 926/2020, do Governo Federal, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública no Brasil. O problema com a MP 926/2020 é o fato de ela ser uma medida que retirava muitas das possibilidades de ação dos governadores e prefeitos e, em segundo lugar, por ter sido elaborada sem consulta prévia aos estados e municípios.
Além disso, a ADI 6341 não excluiu a responsabilidade do governo em promover o diálogo entre as unidades da federação, assim como não afirmava que as medidas de isolamento e restrição de liberdade seriam exclusivamente decididas pelos governadores e prefeitos. Pelo contrário, a decisão judicial garantiu que o enfrentamento ao coronavírus não afasta a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.
“Concedeu [o nosso governo] auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1.000 dólares para 65 milhões de pessoas”
Ao expor o auxílio emergencial como um caso de sucesso no enfrentamento aos impactos sociais e econômicos do coronavírus no Brasil, o presidente deixa de comentar que, em março, o governo sinalizava para um auxílio emergencial de R$ 200,00, valor três vezes inferior àquele que foi inicialmente distribuído à população brasileira. A verdade é que o auxílio emergencial, da forma como foi implementado, foi uma proposta do Congresso Federal. O próprio relator do projeto que culminou com a criação do auxílio emergencial, o deputado federal Marcelo Aro (PP-MG), já foi a público esclarecer que o governo não admitia um valor superior aos R$ 200,00.
Além disso, o presidente inflaciona o real valor do auxílio emergencial ao afirmar que a soma das parcelas corresponde a aproximadamente 1.000 dólares. Ao total, o auxílio emergencial contará com nove parcelas (cinco de R$ 600,00 e quatro de R$ 300,00) que, juntas, somam o valor de R$ 4.200,00. Na cotação do dólar de 22 de setembro (US$ 1 a R$ 5,47), o valor total do auxílio é de US$ 767,8. Ou seja, são aproximadamente US$ 232,2 dólares a menos, ou R$ 1.270,13. Portanto, o presidente inflacionou o valor do auxílio em mais de duas parcelas de R$ 600,00.
“Estimulou, ouvindo profissionais de saúde, o tratamento precoce da doença”
O tratamento precoce da Covid-19, ao qual o presidente fez referência em seu discurso, supostamente está relacionado às soluções medicamentosas sugeridas pelo presidente para o tratamento da Covid, das quais nenhuma possui comprovação científica. Embora a Hidroxicloroquina e a Cloroquina sejam os dois medicamentos mais amplamente difundidos pelo presidente no suposto tratamento à Covid-19, Bolsonaro já propagou outros medicamentos como os fermífugos Anitta e Ivermectina.
Em todo caso, a defesa de soluções como essa para a Covid-19 mais prejudicou do que ajudou no combate ao vírus. Passados mais de seis meses do vírus no Brasil, ainda não há um único estudo, conduzido com um número considerável de pessoas e utilizando técnicas científicas de verificação dos resultados, que comprove a eficácia de qualquer um dos medicamentos defendidos por Bolsonaro no tratamento à Covid-19.
De uma forma ou de outra, o efeito prático da defesa destes medicamentos causou bastante confusão na comunidade médica, assim como entre políticos e civis. Além disso, desencadeou uma corrida desnecessária para a compra destes medicamentos, em alguns casos provocando desabastecimento, e para a produção de medicamentos como a Cloroquina.
“Seguimos comprometidos com a conclusão dos acordos comerciais firmados entre o MERCOSUL e a União Europeia e com a Associação Europeia de Livre Comércio. Esses acordos possuem importantes cláusulas que reforçam nossos compromissos com a proteção ambiental”
Em trecho a respeito dos acordos comerciais em andamento, o presidente negligencia o fato de que o entrave mais recente para a conclusão do acordo comercial entre Mercosul e a União Europeia tem sido as crescentes preocupações dos países europeus do bloco com o desmatamento no Brasil. De acordo com o bloco econômico europeu, espera-se um “compromisso claro” dos países do Mercosul, especialmente o Brasil, de que respeitarão os pontos sobre desenvolvimento sustentável que constam no acordo comercial.
Fontes para consulta:
Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341. http://portal.stf.jus.br/noticias/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=441447&ori=1
Bolsonaro diz que questão do coronavírus é muito mais “fantasia”. https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/10/bolsonaro-diz-que-questao-do-coronavirus-e-muito-mais-fantasia.ghtml
Com 133 mil óbitos, Covid já tem recorde como causa-morte no país em um ano. https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas_noticiais/redacao/2020/09/15/com-133-mil-obitos-covid-ja-tem-recorde-como-causa-morte-no-pais-em-um-ano.amp.jhtml
Deputado rebate Bolsonaro sobre auxílio: “não admitiam mais que R$ 200”. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/12/deputado-rebate-bolsonaro-sobre-auxilio-nao-admitiam-mais-que-r-200.amp.htm
“Gripezinha”, “histórico de atleta” e aglomerações: a cronologia até Bolsonaro contrarir o coronavírus. https://jc.ne.10.uol.com.br/politica/2020/07/amp/11953165-gripezinha–historico-de-atleta-e-aglomeracoes-acronologia-de-bolsonaro-ate-contrair-o-coronavirus.html
Media Provisória 926/2020. https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mptv/141144
UE quer compromisso claro do MERCOSUL em relação ao meio ambiente. https://amp.dw.com/pt-br/ue-quer-compromisso-claro-do-mercosul-em-rela%25C3%25A7%25C3%25A3o-ao-meio-ambiente/a-55008803