9 de julho de 2024

DPolitik

As RI simplificadas, aplicadas e explicadas

A crise da renegociação de Itaipu

Maria Mont' Serrat Bomfim6914 mins

Promulgado em agosto de 1973, o Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai cria Itaipu como entidade binacional. Desde 1984, quando iniciou sua operação, Itaipu produz energia limpa e renovável (a maior geradora desse tipo de energia do mundo). Atualmente, a usina é responsável pela produção de quase 9% de toda a energia consumida no Brasil e mais de 80% daquela consumida no Paraguai, segundo informações do sítio da binacional. Esses números, além de salientar a importância da usina, ressaltam a relevância da renegociação do acordo de mais de 50 anos para ambos países.

Criado com o intuito de explorar os recursos hídricos do Rio Paraná, o Tratado de Itaipu determina que, conforme estabelecido no artigo XIII, “A energia produzida pelo aproveitamento hidrelétrico a que se refere o Artigo I será dividida em partes iguais entre os dois países, sendo reconhecido a cada um deles direito de aquisição, na forma estabelecida no Artigo XIV, da energia que não seja utilizada pelo outro país para seu próprio consumo”.

Desse modo, o Brasil compra o excedente energético paraguaio, por meio da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), segundo os termos do acordo. É precisamente o anexo C, que trata das bases financeiras do acordo, o ponto principal da renegociação. Como estipulado pelo referido anexo do tratado, o Custo do Serviço de Eletricidade seria composto de parcelas anuais referentes ao pagamento dos encargos financeiros dos empréstimos recebidos, à amortização da dívida, ao pagamento de royalties, ao pagamento de taxas de administração à Eletrobrás e à ANDE (Administración Nacional de Eletricidad) pelos custos de administração da Usina, etc. Enquanto o governo brasileiro esperava que, após a quitação da dívida, que se deu em fevereiro do ano passado, o preço da tarifa iria baixar, o governo paraguaio deseja aumentá-la.

O impasse

Atualmente, o Brasil paga o valor fixo de US$ 16,71 por kilowatt (kW) e esperava que a tarifa fosse cair para em torno de  US$ 12, todavia o Paraguai quer cobrar mais de US$ 20. O impasse entre os países levou o presidente Santiago Peña a afirmar que, caso não haja concórdia entre as partes, o Paraguai deve poder vender seu excedente a terceiros. Uma maior liberdade de negociação do excedente paraguaio – para quem pagasse mais – significaria uma alteração significativa nos termos do tratado, já que atualmente a venda de excedentes se dá exclusivamente entre as partes. Para alguns setores internos do Paraguai, esse seria o principal ponto de desacordo, já que, ainda que acordada uma tarifa, mantendo-se o Anexo C como está, a venda do excedente continuaria a ocorrer a preço de custo para a ENBPar, que, por sua vez, revende a energia para diversas empresas privadas do mercado brasileiro.

A expectativa quanto à redução do preço de energia se dá porque o valor dos empréstimos representava cerca de 60% dos Custos de Serviço de Eletricidade. Na ausência do pagamento desses custos, surge outra questão importante em relação ao anexo C do tratado. A questão refere-se à alocação dos recursos (estimados em 2 bilhões de dólares anuais) que ficarão em caixa, uma vez que que, como já mencionado, quitou-se a dívida contraída para a construção da hidrelétrica. Um exemplo de alocação destes recursos, iniciada no governo predecessor, foi para a segunda ponte entre o Brasil e Paraguai, com a construção da perimetral leste de Foz do Iguaçu (PR), cuja conclusão deve ocorrer próximo ano. O governo atual visa empregar os recursos advindos de Itaipu em áreas como pesquisa e inovação, os chamados gastos sociais, o que também interessa ao Paraguai, já que o objetivo da binacional não é gerar lucro.

Ademais, levanta-se na sociedade brasileira o questionamento quanto à transparência desse processo de alocação de recursos destinados a projetos sociais. Para além das preocupações quanto à corrupção e mal uso do dinheiro gerado por Itaipu, a sociedade civil brasiliera preocupa-se com a oneraração excessiva do consumidor. Isso ocorreria caso fosse acordada a proposta paraguaia de elevação da tarifa (acima do custo real) para 20,75 ou até 22 dólares americanos, o que impactaria o preço da energia elétrica em ao menos três regiões do país. Por outro lado, uma diminuição no custo da energia, ainda que a tornasse mais barata para os brasileiros, significaria uma perda para o Paraguai que vê a possibilidade de aumento da tarifa como uma oportunidade de robustecer os acima mencionados gastos sociais. Para o Paraguai, busca-se o desenvolvimento para ambos países por meio dos investimentos sociais proporcionados por Itaipu.

Na política interna do país vizinho, o tema é mais mobilizante do que no Brasil e, portanto, desperta ainda mais atenção da mídia do país. Em editorial, o jornal paraguaio ABC Color, destacou que o Paraguai não recebe um preço justo pela cessão de seu excedente e que mesmo um aumento da tarifa não seria solução para a questão, já que, segundo o editorial, a compensação paga pelo Brasil seria irrisória. Por isso, não é difícil estimar que o governo paraguaio mostre-se menos flexível nas negociações a fim de não parecer enfraquecido frente à opinião pública nacional. Em contrapartida, para o Brasil, uma manutenção ou pouco aumento da tarifa é muito mais exequível do que uma alteração quanto à exclusividade do direito de aquisição. 

Em meio ao impasse, os funcionários de Itaipu têm enfrentado atrasos nos pagamentos dos salários. De igual forma, a binacional tem atrasado o pagamento de contas e a fornecedores. Todavia, o desacordo entre Brasil e Paraguai não afetou os pagamentos da usina ao Estado vizinho. Os valores pagos pela cessão de energia correspondentes ao mês de janeiro somaram US$ 21.999.500 – 0,4% a mais do que o mês equivalente no ano passado. De todo modo, Ernio Verri, diretor-geral brasiliero de Itaipu, espera uma resolução quanto à tarifa ainda este mês.

A relevância do acordo

Ante a declarações de desejo pela resolução da questão por parte de ambos presidentes, Lula e Peña ainda se encontram frente a um impasse. O Itamaraty resiste em classificar a situação como crise, mas essa tem se mostrado como um desafio diplomático para as nações amigas. Para Ernio Verri, as negociações podem ter duração estimada de três anos ou mais. Após reunião entre os presidentes em Brasília, no dia 15 de janeiro deste ano, ficou claro que o Paraguai não parece estar disposto a ceder quanto à tarifa do excedente. O presidente Lula deve viajar à Assunção para dar continuidade às tratativas a nível presidencial, uma vez que as conversas, que seguem ocorrendo entre os chanceleres, tenham avançado. 

Devido à extrema relevância da renegociação para ambos países, Ruben Ramírez, salientou: “Não enfrentamos o Brasil, estamos negociando com eles”, informa o periódico La Nación. Nesse sentido, é preciso destacar que o Brasil é o principal parceiro comercial do Paraguai. Além disso, a relação de interdependência entre as partes motiva uma celeridade das negociações. Ademais, é crucial relembrar que o financiamento para a construção da binacional foi advindo, quase totalmente, de recursos brasileiros. A dívida quitada e o processo de renegociação devem, certamente, buscar o favorecimento do interesse público de ambas nações.

Referências

https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/07/brasil-e-paraguai-vao-renegociar-clausula-do-acordo-de-itaipu-binacional#:~:text=Depois%20de%2050%20anos%20do,a%2050%25%20da%20energia%20gerada.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-01/brasil-e-paraguai-nao-chegam-acordo-sobre-tarifa-de-itaipu

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d72707.htm

https://www.itaipu.gov.br/energia/geracao#:~:text=Com%2020%20unidades%20geradoras%20e,a%20Itaipu%20produziu%2069.873%20GWh.

https://www.gazetadopovo.com.br/parana/itaipu-revisao-anexo-bilionario/

https://www.gazetadopovo.com.br/parana/diretor-brasileiro-itaipu-fala-sobre-discordia-paraguai/?ref=veja-tambem

https://www.gazetadopovo.com.br/parana/crise-diplomatica-brasil-e-paraguai-tarifa-energia-itaipu/?ref=veja-tambem

https://www.hoy.com.py/nacionales/2024/01/15/itaipu-pena-y-lula-hablan-de-objetivos-comunes-y-preven-proxima-reunion-en-asuncion

https://www.gazetadopovo.com.br/parana/senado-cobra-transparencia-gastos-itaipu-destino-bilhoes/

https://www.abc.com.py/nacionales/2021/04/28/la-burla-del-justo-precio-por-cesion-del-acta-de-foz-y-del-tratado-de-itaipu/

https://www.abc.com.py/economia/2024/02/07/el-desacuerdo-en-itaipu-no-afecto-los-pagos-de-enero-al-estado-paraguayo/

https://www.abc.com.py/internacionales/2024/02/05/delegaciones-de-paraguay-y-brasil-discuten-sobre-la-tarifa-de-energia-de-itaipu-para-2024/

https://www.abc.com.py/edicion-impresa/editorial/2024/02/04/paraguay-sigue-el-libreto-brasileno-en-itaipu/

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https://www.lanacion.com.py/politica/2024/02/06/itaipu-no-enfrentamos-al-brasil-estamos-negociando-con-ellos-afirma-canciller/

https://www.lanacion.com.py/politica_edicion_impresa/2024/02/06/brasil-y-paraguay-en-busca-de-consenso-siguen-negociaciones/

https://www.itaipu.gov.br/institucional/financiamento-da-construcao-de-itaipu

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