À semelhança dos Romanov: os Bolsonaro

Como o presidente e sua família trilham o mesmo caminho que trouxe o ódio da população à família imperial russa

Em meio à pandemia mundial do novo coronavírus, a incertezas econômicas crescentes ao longo de todo o mundo, a peculiaridade do tratamento da crise pelo chefe do Executivo brasileiro tem se destacado no noticiário cotidiano.

Jair Bolsonaro, primeiro presidente autoproclamado de direita do Brasil em mais de uma década, parece estar cedendo cada vez mais à insanidade neste começo de 2020. Não bastasse o circo de horrores de 2019, tragicamente dominado por falas polêmicas suas e de seus ministros e ministras, o coronavírus deu um quê de tempero amargo ao governo Bolsonaro.

Já alguns meses após a passagem da faixa presidencial, os primeiros eleitores não tão ferrenhos do presidente começaram a apresentar descontentamento com seu governo. O grupo foi crescendo a ponto que, no início deste ano, até alguns mais fervorosos parecem estar começando a se virar contra algumas medidas mais “estranhas”.

As contínuas falas sem nexo, longe da realidade, brigas com regiões do país e agora abertamente contra governadores dos Estados mais importantes do país fazem uma pulga surgir na cabeça de alguns “bolsonaristas”. Não bastasse ter trazido, oficialmente até o momento, mais de vinte pessoas infectadas com o novo vírus após sua visita aos EUA, o presidente convocou, desconvocou e participou de protestos contra o Congresso, descumprindo seu próprio isolamento por risco de ter sido contagiado, pondo a população em risco de disseminar ainda mais a nova doença.

Na noite do dia 24 de março, o presidente fez um brevíssimo pronunciamento em rede nacional que bateu um recorde de mais asneiras por minuto que um chefe do Executivo já falou na história deste país. Já é sabido que a economia é a prioridade do governo Bolsonaro em detrimento da saúde da população – como falas do Ministro da Economia e do próprio presidente já deram a entender. Em seu pronunciamento, porém, Bolsonaro atravessa qualquer linha de ponderação que poderia ser traçada em seu governo e comete quase um crime contra o bom senso e chama a população a terminar o confinamento – ao mesmo tempo que fala que se deve evitar a propagação do vírus.

O comportamento de Bolsonaro, bem como o de membros de sua família – importante lembrar o incidente diplomático causado por seu filho com o governo da China -, faz lembrar a última família imperial russa no início do século XX.

Os Romanov que governaram soberanos sobre a Rússia imperial por 300 anos, tiveram um trágico fim assassinados pelas mãos dos revolucionários comunistas em 17 de julho de 1918. O czar Nicolau II, porém, não foi somente vítima de uma carnificina horrenda “de graça”. Várias medidas tomadas pelo imperador junto à neurose da imperatriz e ao escândalo da presença do místico promíscuo Rasputin, levaram à queda do gosto popular pela família imperial muito antes dos Bolcheviques chegarem ao poder.

Nicolau II ascendeu ao trono em 1894 e entre este ano e o ano de seu assassinato, 24 anos depois, fez um governo que jogou a reputação da Casa Romanov na lama. Como explicita a Encyclopædia Britannica, Nicolau era cercado por conselheiros que lhe pintavam uma imagem distorcida da vida no país e “desconfiava de seus ministros, principalmente porque ele os sentia como intelectualmente superiores a ele”. Assim, o imperador manteve todo o poder do país em suas mãos o máximo que pôde. O recém criado corpo legislativo, a Duma, que deveria governar junto ao imperador, era comumente posta de lado e desconsiderada por Nicolau.

Envolveu-se em guerras e colecionou perdas como na guerra russo-japonesa de 1904-5 que lhe rendeu um movimento revolucionário – que foi duramente oprimido pelo imperador. Aqueles que se opunham a ele, eram considerados conspiradores. Protestos em 1905 contra o governo foram respondidos com um massacre pelas forças imperiais. A fim de esconder a influência que o místico pseudo-padre Rasputin tinha sobre ele e sua mulher, Nicolau interferiu na Igreja Ortodoxa russa, trazendo descontentamento reacionário para si.

Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, Nicolau levou a Rússia ao conflito e, desconfiando de seus ministros, tomou as rédeas do exército – uma decisão que lhe foi custosa. Em um dado momento, o controle ficou até mesmo nas mãos da czarina Alexandra cuja paranoia e influência de Rasputin fizeram com que vários ministros técnicos fossem expulsos e apenas pessoas que não discordavam da imperatriz ocupassem os cargos mais importantes da nação.

O descontentamento popular com os desmandos da família imperial, somados à situação devastadora da guerra, fizeram eclodir novos protestos nas ruas de Petrogrado (atual São Petersburgo e capital à época do país) e alimentaram o interesse popular pelo comunismo. Mais uma vez, as ordens de Nicolau eram a de manter a ordem, mas a Duma e o exército tomaram uma posição forte contra o descontrole do imperador e o fizeram renunciar. Em fevereiro de 1917 – ou março pelo calendário ocidental – a revolução fez a monarquia russa cair e a família imperial ser presa. Um ano dali, Nicolau, sua mulher e filhas e filho foram assassinados em um porão em uma casa no interior do país.

As lições que se podem tirar do trágico governo de Nicolau II são os de que, distanciamento e negação da realidade, desgoverno e escândalos, fizeram com que o reinado de mais de 300 anos fosse à ruína e desse lugar ao caos.

Claramente, não se procura associar os Bolsonaro a uma dinastia secular, por mais que o presidente tenha se portado como tal na entronização do novo imperador do Japão no fim do ano passado. Mas são notáveis as semelhanças no que diz respeito à negação da realidade e do entorno de fanáticos e “puxa sacos” do atual governo. Aliados que abandonaram o presidente, são hoje inimigos pessoais da família e da legião de seguidores mais acalorados.

Não se sabe se Nicolau acreditava na Terra plana ou na “farsa” das vacinas. Mas é visível que as notícias falsas do seu tempo rodeavam seu entorno mais próximo, o que fez com que ele não enxergasse a situação de seu país como ela realmente era e que desdenhasse do descontentamento popular. Sua queda foi trágica.

Movimentos contra o presidente já começam a tomar corpo, trazendo de volta à baila até mesmo os famosos “panelaços” que foram simbólicos na derrocada da ex-presidente Dilma. Impeachment é uma palavra que volta a assombrar o Planalto e os defensores mais ferrenhos da posição. A negação do presidente aos fatos, porém, é tão absurda que faz com que alguns acreditem que, na verdade, este seja o resultado pretendido.

Há quem diga que o coronavírus possa ajudar o presidente em seu governo, servindo como um “bode expiatório” para suas medidas econômicas pífias e um governo que beira o desserviço completo. Por outro lado, há quem olhe para os atuais acontecimentos e veja que este é o momento que marca o início da queda do governo Bolsonaro. A dúvida, porém, paira: seria possível tirá-lo? O mesmo questionamento pode ser mantido para 2022: se Bolsonaro perdesse nas urnas, ele sairia? O movimento de impedimento que tem tomado corpo não é igual àqueles de 1992 e 2016. Há uma grande diferença que é representada pelas figuras de “um soldado e um cabo”.