Presidente Bolsonaro repete discurso ambiental vazio na Cúpula do Clima organizada pelos EUA
Há uma fábula, atribuída ao escritor grego Esopo, a respeito de um jovem pastor que costumava levar o seu rebanho de ovelhas para pastar na serra. Por ficar sozinho a maior parte do tempo, o pastor pensou em uma maneira de atrair companhia e se divertir. Assim, voltou à aldeia e gritou: “Lobo! Lobo!”. Os camponeses então correram em direção à serra, mas logo perceberam que não se passava de uma brincadeira. O jovem pastor repetiu a brincadeira algumas vezes, até que um dia um lobo realmente saiu da floresta e atacou o seu rebanho. O pastor então gritou “Lobo! Lobo”. Tendo sido enganados outras vezes, os camponeses não foram lhe ajudar. Após queixar-se do ocorrido com o homem mais velho e sábio da aldeia, este lhe disse: “na boca do mentiroso, o certo é duvidoso”.
Assim como o jovem pastor, Bolsonaro segue repetindo mentiras ao tratar das questões ambientais brasileiras em espaços de discussão internacional. Desde que assumiu a presidência do país, a pauta foi presença garantida nos discursos de Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas, no Fórum Econômico Mundial de 2019 e, agora, na Cúpula de Líderes sobre o Clima organizada pelo governo dos Estados Unidos. O que há de comum em todos os seus discursos? Promessas ambientais vazias e que não correspondem às ações tomadas por sua gestão nessa questão, o que pode ser aferido, por exemplo, quando comparamos os pontos abordados por Bolsonaro em seu discurso com as medidas ambientais adotadas pelo governo federal nos anos de 2019 e 2020.
De modo geral, Bolsonaro enfatizou em seu discurso o compromisso do Brasil em: zerar até 2030 o desmatamento legal; reduzir as emissões de gases poluentes; buscar a “neutralidade climática” até 2050; e fortalecer os órgãos ambientais, especialmente por meio de fornecimento de mais recursos para as atividades de fiscalização. Além disso, o presidente ressaltou o papel histórico do Brasil na agenda ambiental global.
Entretanto, o que se observou nos dois primeiros anos da gestão Bolsonaro foi justamente a formulação de uma política ambiental que aponta para a direção oposta aos compromissos vazios do presidente. Em resumo, a política ambiental bolsonarista possui três dimensões destacadas.
A primeira dimensão está ligada ao esvaziamento das competências de órgãos ligados à regulação e fiscalização ambiental. Esse processo está presente desde a reforma ministerial por meio da Medida Provisória 870/2019, a qual extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas (SMCF) e deslocou alguns serviços e agências do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para outros ministérios. Além disso, é preciso lembrar dos cortes orçamentários de pastas ligadas ao meio ambiente, os quais comprometeram a capacidade de mobilização do MMA, Ibama, ICMBio e outros órgãos ambientais.
A segunda dimensão notável tem sido a perseguição a indivíduos e grupos com posicionamentos contrários ao governo na pauta ambiental, estejam esses inseridos no aparelho de Estado brasileiro ou fora deste. Nesse quesito, o episódio mais notável talvez seja a exoneração do ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão, em agosto de 2019. Galvão foi exonerado após a divulgação de dados que apontavam o aumento do desmatamento e degradação ambiental no Brasil. Na ocasião, Bolsonaro acusou o INPE de manipulação de dados.
Fora do aparelho estatal, os ataques do governo Bolsonaro estão frequentemente voltados aos povos indígenas, Organizações Não Governamentais (ONGs) e organismos internacionais ligados ao meio ambiente. Tal perseguição fica mais explícita quando se recorda das tentativas de Bolsonaro em atribuir o episódio das queimadas na Amazônia a esses grupos. Naquele contexto, Bolsonaro afirmou que parte das queimadas são originadas das práticas culturais e de sobrevivência dos povos indígenas, bem como insinuou que as ONGs poderiam ser as responsáveis pelas queimadas na Amazônia.
Em terceiro lugar, pode-se pontuar como o governo tem excluído os setores não governamentais da formulação de políticas ambientais. Desde a publicação do Decreto Nº 9.759/2019, quando foram extintos diversos colegiados da administração pública federal, houve uma exclusão crescente dos mais variados atores da sociedade civil, academia e organismos internacionais nas discussões ambientais.
Desse modo, é evidente que as palavras que estão sendo proferidas por Bolsonaro nos espaços internacionais não passam de mentiras. Enquanto o governo tenta “passar a boiada” no desmantelamento das estruturas de regulamentação e fiscalização ambiental do país, Bolsonaro insiste em transmitir a falsa ideia de que o Brasil possui uma política ambiental comprometida com a vanguarda das discussões climáticas.
Assim como o pastor mentiroso, Bolsonaro continua a vociferar “Lobo! Lobo” para a comunidade internacional. Para a nossa infelicidade, as ovelhas são as nossas florestas e, a cada dia que passa, é menor o número de atores internacionais que confiam no Brasil. Diante disso, não é equivocado dizer: na boca de Bolsonaro, o certo é duvidoso!