A Seleção Brasileira de Futebol amarelou!

Ao que tudo indica, os jogadores e a comissão técnica da Seleção Brasileira de Futebol decidiram por disputar a Copa América no Brasil, deixando de lado um gesto que poderia entrar para a história nacional: a renúncia da Seleção Brasileira em disputar uma Copa América em meio a uma crise política e sanitária sem precedentes.

Não é incomum ouvirmos, nas rodas de conversa sobre futebol, a famosa máxima de que o futebol está restrito ao que acontece dentro de campo. Ou seja, tudo aquilo que ocorre fora das quatro linhas é tido como inválido para os acontecimentos que se desenvolvem em um campo de futebol. Não é preciso pensar muito para concluir que esse pensamento é um grande equívoco, assim como é a frase “política, religião e futebol não se discutem”.

O futebol, como qualquer outro esporte, não pode ser visto como um momento no qual todas as discussões que circundam a vida de um indivíduo e de uma sociedade podem ser suspensas. Pelo contrário, como já mostrei em uma coluna nesta mesma revista, os esportes são quadros interessantíssimos para a análise social de qualquer realidade. No caso específico do futebol no Brasil, é possível enxergar por meio dele as desigualdades sociais, raciais, regionais e de gênero presentes em nosso país.

Tendo esse cenário em vista, os recentes atritos envolvendo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Seleção Brasileira de Futebol e o Governo Federal formam mais um episódio que revela como política e futebol se atravessam mutuamente. Pois, assim como a ditadura militar utilizou-se da Seleção Brasileira como um instrumento de estímulo ao patriotismo – especialmente na Copa de 1970, quando a conquista do tricampeonato mundial pela Seleção Brasileira contribuiu para a normalização do período mais acentuado da ditadura militar -, o governo de Jair Bolsonaro tenta fazer uso da Copa América e da Seleção Brasileira em meio a um ambiente sanitário caótico e no auge daquela que talvez seja a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mais assistida da história do país, na qual as ações do próprio presidente são investigadas.

Para os leitores menos afeitos às discussões futebolísticas, explicarei a situação vexaminosa na qual o Brasil se pôs. Após a retirada da Colômbia enquanto sede da Copa América (principal competição entre seleções sul-americanas), Chile e Argentina desistiram de sediar a competição. O primeiro em razão da instabilidade política vivida no país; o segundo em função da pandemia de coronavírus. Nesse cenário em que o torneio se encontrava sem casa para ser sediada, o Brasil, país que reúne instabilidade política e um cenário sanitário catastrófico, decidiu por aceitar a realização do torneio em suas fronteiras.

Não bastasse o aceite do governo federal em substituir um evento de tal porte, consta que os jogadores e a comissão técnica da Seleção Brasileira foram informados sobre o realojamento do torneiro para o Brasil sobre os veículos de mídia e que o presidente Bolsonaro pediu a cabeça do técnico da Seleção Brasileira, Tite. Coincidentemente ou não, a atitude de Bolsonaro não é inédita da história da Seleção. Em 1969, quando o general Emílio Garrastazu Médici ascendeu ao poder, a seleção era comandada por João Saldanha, jornalista e militante comunista. A dois meses da Copa, Saldanha foi demitido em função das divergências ideológicas com a ditadura militar.

De toda forma, a situação ocorrida não passou batida por Tite e seus comandados. No noticiário futebolístico nacional, chegou a se ventilar a possibilidade de os jogadores sequer entrarem em campo na Copa América ou da renúncia do técnico Tite do comando da Seleção. Entretanto, após o afastamento do presidente da CBF Rogério Caboclo por denúncia de assédio sexual e moral a uma funcionária, e alguns compromissos assumidos pela CONMBEOL (instituição esportiva internacional que organiza as competições na América do Sul), os jogadores e a comissão técnica da Seleção Brasileira parecem ter voltado atrás em sua decisão de não disputar a Copa América.

Para este colunista que vos escreve, caso se confirme a decisão dos jogadores e da comissão técnica em disputar a Copa América no Brasil, será possível dizer que a Seleção Brasileira amarelou. Caso contrário, este grupo de jogadores e a comissão técnica estarão passando uma mensagem histórica para o país e se juntarão a outros grandes movimentos que ousaram quebrar as quatro linhas, como foi o caso da Democracia Corinthiana e a sua luta pelo fim da ditadura militar no país.

Assim, nesse momento tão delicado no qual quase 500 mil vidas foram perdidas apenas no Brasil, a recusa da Seleção Brasileira em entrar em campo poderia reconectar a camisa canarinho, agora intimamente associada ao bolsonarismo, ao povo brasileiro de maneira geral. Além disso, seria uma demonstração de solidariedade advinda de uma das instituições nacionais mais aclamadas da história do país.

Fontes consultadas:

https://brasil.elpais.com/esportes/2020-06-07/a-selecao-que-presenteou-a-ditadura-com-uma-taca.html

https://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/ultimas-noticias-corinthians-democracia-corinthiana-movimento-contra-ditadura.ghtml

https://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/rogerio-caboclo-e-afastado-da-presidencia-da-cbf.ghtml

https://globoesporte.globo.com/futebol/copa-america/noticia/bolsonaro-reforca-apoio-a-copa-america-em-reuniao-da-conmebol-recusada-por-capitaes.ghtml

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/marcel-rizzo/2021/05/14/copa-america-ainda-indefinida-chile-e-argentina-apresentam-plano-b.htm

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/05/31/antes-do-brasil-argentina-desistiu-da-copa-america-por-piora-da-pandemia.htm

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/06/07/cbf-garante-tite-e-jogadores-decidem-jogar-a-copa-america.htm