O caso Gripen: como a dependência tecnológica afeta a Defesa do Brasil

“É muito bom discutir acordos tendo por trás de si uma esquadra com credibilidade”, essa frase, então creditada ao Barão do Rio Branco, pode ser sinalizada como datada, mas não pode-se negar que, como um estadista de seu tempo, José Maria da Silva Paranhos Júnior via no poder militar uma fonte crucial para fazer frente às pressões internacionais. Hoje, essas pressões assumem formas diferentes, manifestando-se principalmente por meio da tecnologia e dos mecanismos geopolíticos que ela habilita. A modernização e o domínio de tecnologias avançadas são agora fundamentais para a autonomia nacional, e países como o Brasil enfrentam desafios significativos para assegurar essa independência, em especial devido a interferências externas, como as dos Estados Unidos.

A capacidade de desenvolver e controlar tecnologias estratégicas tornou-se central para a soberania de qualquer país. No caso do Brasil, a aquisição de tecnologias de defesa, como o caça Gripen, criou um novo campo de disputa, no qual os EUA exercem pressões diretas para defender seus interesses comerciais e geopolíticos. A recente intimação do Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA à Saab, buscando informações sobre o contrato de compra dos caças Gripen para a Força Aérea Brasileira (FAB) firmado em 2014, ilustra esse tipo de interferência. Embora embasada na Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA), essa ação é vista como uma tentativa de manter o Brasil em uma posição de dependência tecnológica, limitando o avanço de sua indústria de defesa e sua capacidade de desenvolver projetos de maneira autônoma.

No dia 10 de outubro, a subsidiária americana da Saab comunicou que o DoJ dos EUA solicitou informações sobre a compra dos 36 aviões de caça Gripen, um acordo realizado sob o Programa FX-2. Embora investigações anteriores conduzidas pelo Brasil e pela Suécia não tenham encontrado indícios de irregularidades, a nova intimação levanta suspeitas de interferência geopolítica. Para um país com ambições de se tornar uma potência militar autossuficiente, essa dependência representa uma vulnerabilidade estratégica. Esse episódio reforça a percepção de que a autonomia tecnológica do Brasil está sob ameaça contínua de influências externas, especialmente dos Estados Unidos.

Limitações tecnológicas e crise na Base Industrial de Defesa

Fonte: SAAB / Imagens de fundo do Gripen

A dependência tecnológica brasileira vai além do projeto Gripen e afeta a maior parte da indústria de defesa nacional, especialmente nas colaborações com gigantes internacionais. A parceria entre Boeing e Embraer é emblemática: após a tentativa frustrada de fusão em 2020, a Boeing continuou como uma fornecedora essencial de componentes para projetos estratégicos da Embraer, como o cargueiro KC-390. Essa dependência de tecnologia estrangeira restringe severamente a autonomia do Brasil. No caso dos caças Gripen, por exemplo, componentes críticos como o motor são fabricados nos EUA e o sistema de ejeção é produzido no Reino Unido. Essas condições tornam o Brasil vulnerável a embargos ou restrições comerciais, o que poderia dificultar a operação das frotas nacionais. A influência americana nesses contratos é evidente, como expresso na declaração de Hillary Clinton ao afirmar que “70% das peças do KC-390 são fabricadas nos EUA”.

Essa limitação afeta diretamente a capacidade do Brasil de expandir sua indústria de defesa e sua soberania. Embora o país tente se posicionar no mercado global de defesa, essas restrições tecnológicas impostas por parceiros estrangeiros frequentemente bloqueiam o progresso. A dependência de insumos e componentes estrangeiros é agravada pela estrutura oligopolista do mercado global de defesa, dominado por poucas potências que impõem barreiras de entrada para novos concorrentes, tanto no Brasil quanto no exterior.

A recente crise da AVIBRAS, uma das maiores indústrias de defesa do Brasil, exemplifica a fragilidade da base industrial nacional. Embora seja uma fornecedora importante de tecnologia militar, a AVIBRAS tem enfrentado dificuldades financeiras e não tem conseguido competir com empresas estrangeiras mais bem financiadas, em parte pela falta de políticas públicas eficazes e de apoio governamental consistente para inovação e desenvolvimento tecnológico.

No cenário global, a Embraer também enfrenta desafios ao competir com grandes players como Boeing e Airbus, o que acentua a dependência do Brasil em parcerias estratégicas. O caso da tentativa de fusão com a Boeing revelou o risco dessa dependência, uma vez que o término da parceria colocou em risco projetos cruciais para a indústria de defesa nacional. A crise da Base Industrial de Defesa é exacerbada pelas restrições orçamentárias; de acordo com o The Military Balance, em 2023, o Brasil destinou R$ 121 bilhões (USD 24,2 bilhões) para defesa, mas apenas 6,1% desse valor foi alocado para aquisições e infraestrutura, uma redução significativa de investimentos em capital comparado a 2021. Esse déficit impacta diretamente o desenvolvimento industrial e a capacidade de competir no mercado global, deixando o país em desvantagem perante conglomerados estrangeiros e contribuindo para uma defasagem tecnológica crescente.

Existe uma saída?

Fonte: SAAB / Imagens de fundo do Gripen

A situação atual expõe com clareza a urgência de o Brasil adotar uma estratégia de defesa que priorize o desenvolvimento de uma base industrial autossuficiente, capaz de responder aos desafios impostos por sua dependência tecnológica. O caso do Gripen e a contínua pressão dos EUA exemplificam como essa dependência pode enfraquecer a capacidade soberana do país, submetendo-o a embargos ou restrições que afetam diretamente sua segurança e autonomia. Além disso, a falta de investimentos adequados em capital, somada à crise de empresas estratégicas como a AVIBRAS, demonstra que a indústria de defesa brasileira ainda carece do suporte necessário para competir internacionalmente. Para que o Brasil possa garantir sua soberania de forma plena, será imprescindível investir em políticas públicas robustas que fortaleçam a infraestrutura nacional de defesa, reduzam sua vulnerabilidade a sanções externas e promovam uma maior independência tecnológica no longo prazo.

Não obstante, pensar no desenvolvimento nacional na área da defesa ultrapassa o âmbito das Forças Armadas e o Ministério da Defesa, uma vez que sozinhos não são capazes de fazer tais concessões orçamentárias ou organizacionais. É necessário e urgente que haja uma posição política do poder executivo brasileiro, e portanto, um direcionamento claro e conciso que responda às necessidades de segurança e defesa do país. Desenvolvimento não é apenas fazer crescer o bolo, mas entender que um grande bolo sem destino pode ficar largado às traças.

Referências

https://www.saab.com/newsroom/press-releases/2024/u.s.-department-of-justice-requests-information-from-saab-north-america-inc.-regarding-brazils-acquisition-of-gripen-fighters-in-2014

https://nationalinterest.org/blog/buzz/brazils-jas-39-gripen-fighter-purchase-under-investigation-213217

https://www.aerotime.aero/articles/saab-subpoena-doj-brazil-gripen-fighter-deal

https://www.cartacapital.com.br/economia/jogo-sujo/

https://www.saab.com/pt-br/markets/brasil/programa-gripen-brasileiro/imagens-de-fundo